A escuta dos laços familiares

10 Ago

Crises podem ser excelentes oportunidades de crescimento e de superação de dificuldades. Pelo menos é nisso que acreditam os terapeutas de família. Atendendo a casais ou a famílias inteiras, eles realizam um trabalho quase arqueológico: tentam entender a origem daquele grupo, o que o uniu, como chegou até o presente momento e, se possível, ajudam as pessoas a reconstruir a relação. O primeiro passo – procurar um profissional – pode ser difícil, mas, uma vez dado, representa a grande chance de dar uma virada no relacionamento, transformando o modo como as pessoas vinham se comunicando até então. Uma das linhas teóricas que trabalham com casal e família é a da terapia sistêmica. Segundo a psicóloga Maria Cristina Milanez, especialista nesse tipo de abordagem, a família é um sistema de forças, no qual cada membro tem uma valência. “Quando um dos membros fica com a função hiperativada, desempenhando, por exemplo, o papel do provedor, do questionador, do problemático, há um desequilíbrio no sistema”, disse ela. Outros fatores que podem levar ao desequilíbrio estão relacionados com quebra de padrões familiares e fatos inesperados, como doença, morte repentina, abuso sexual, uso de drogas e de álcool e infidelidade. Há ainda os fatores já esperados, como os que fazem parte do ciclo de vida da família (nascimento, adolescência dos filhos, meia-idade dos pais etc), que também são geradores de tensão. Terapia busca o reequilíbrio do sistema familiar O desequilíbrio leva à crise. A família pode resolvê-la sozinha ou pode ficar congelada no tempo. Nesse caso, diz Maria Cristina, o mais comum é que um dos membros da família – o chamado paciente identificado (PI) – apresente sintomas de uma doença. “Esse membro acaba simbolizando a crise pela qual a família passou, os sintomas ficaram concentrados nele. Pode ser o caso, por exemplo, de uma criança que começa a apresentar problemas de aprendizagem após um evento traumático na família”, explica a psicóloga. Nesses casos, fica mais fácil para a família buscar a terapia. Segundo Maria Cristina, no Brasil, não existe o hábito de se procurar a ajuda de um terapeuta de família. Na maioria das vezes, isso só é feito em casos extremos. “O objetivo da terapia sistêmica é reequilibrar o sistema, criar uma harmonia saudável. Mas é importante que as pessoas saibam que o antigo sistema não voltará mais a funcionar. Será criado um novo”, disse ela. Ferida narcísica leva casais ao consultório No caso da terapia de casal, a procura pelo profissional acontece, geralmente, devido à infidelidade de um dos cônjuges ou por causa de problemas sexuais. É importante ressaltar, porém, que a terapia não é sinônimo de reconciliação, de solução de todos os problemas. Maria Cristina frisa que a terapia de casal pode levar a um recasamento – sobre novas bases emocionais – ou ao divórcio. Depende do desejo do casal e de como os problemas serão discutidos no consultório. Segundo a psicanalista Lídia Levy de Alvarenga no livro Na escuta do laço conjugal, toda crise conjugal começa com uma quebra de imagem, algo no qual se acreditava ruiu, houve uma ferida narcísica. “O sujeito sempre buscará no outro o reconhecimento. Sendo assim, na relação conjugal há uma expectativa de que cada parceiro reafirme a imagem que o outro tem de si mesmo”, afirma a psicanalista. Quando isso deixa de acontecer, por algum motivo, surge a crise. Algo que sempre funcionou deixou de funcionar, as pessoas deixaram de se sentir preenchidas nas suas expectativas. Segundo a teoria psicanalítica freudiana, o ser humano passa a vida tentando reencontrar o primeiro objeto de prazer, numa busca compulsiva de satisfação. Busca do amor simbiótico é uma ilusão, dizem psicanalistas A escolha amorosa é um dos mecanismos usados por homens e mulheres para reviver o prazer de outrora. É claro que tudo se passa no nível do inconsciente, ou seja, do não sabido, do que está escondido no psiquismo humano. Mas são esses primeiros registros de prazer e de satisfação que determinarão a direção do desejo das pessoas. O objetivo, segundo Freud, é ter a sensação de unidade, de ser um só, de simbiose total, de se reconhecer no outro. Na paixão, na qual as duas identidades se misturam, a pessoa tem a ilusão de ter alcançado a simbiose. Isso, porém, é impossível. Não há como se unir ao outro desta forma, numa fusão que anula as fronteiras da individualidade. Segundo Lídia Levy, as crises, muitas vezes, ocorrem no momento em que um dos cônjuges se dá conta de que o outro é um outro diferente de si mesmo, de que ele não é capaz de acabar com o seu desamparo, não é fonte incessante de satisfação. A descoberta pode ser fonte de dor, mas também de crescimento.