A adorável barriga
De quantas revistas femininas, masculinas, professores de ginástica, programas e comerciais de televisão escutamos a definição de mulher bonita como sendo aquela que, ao sentar, não exibe um milímetro sequer de dobrinha na barriga? Como se diz por aí, é preciso ter uma tábua de passar roupas no lugar do abdômen. Até bem pouco tempo, pelo menos, o aspecto quase anoréxico é que dava as cartas do padrão de beleza e da moda. Mais tarde, o culto ao corpo passou a valorizar o volume dos músculos e começamos a nos espelhar no modelo do tanque de lavar roupas para agüentar a sessão puxada de exercícios abdominais todos os dias. Hoje, felizmente, essa idéia passa por uma profunda transição. Saúde tem a ver com pouca gordura, sim, mas deve ser aliada à beleza das curvas femininas. Talvez você nunca tenha parado para pensar nisso antes, mas é possível conhecer um pouco a História da cultura e dos problemas sociais vividos pela humanidade ao longo do tempo para lançar um olhar mais atento sobre a barriga das pessoas. É isso mesmo, a barriga! Por mais curioso que isso possa parecer, a diversidade do seu padrão de beleza em determinadas épocas informa mais do que se imagina. Mas o que Rubens, Renoir e Fernando Botero têm a ver com isso? Bem, comecemos a investigar o retrato da barriga nas artes plásticas. Rubens (1577-1640), o maior expoente do Barroco Setentrional – uma extensão da arte barroca – é conhecido por pintar o luxo, a opulência, a exuberância e... mulheres gordinhas. O pintor flamengo deixou um legado de obras fantásticas que comprovam essa afirmação, como As Três Graças e O Rapto das Filhas de Leucipo. A professora de História da Arte da Universidade Estácio de Sá e da Cândido Mendes, Cristina Nadruz, explica que, naquela época, quando muitas pessoas passavam fome e ficavam doentes, a gordura era símbolo de status, de prosperidade. Bonito, portanto, era ostentar uma bela barriga. “Mais tarde, o advento da Revolução Francesa, com seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, já não permitia mais uma corte obesa e abastada diante de um povo miserável. A própria Josephine, mulher de Napoleão, exibia uma imagem esguia”, lembra Nadruz. Mesmo assim, veio Renoir (1841-1919) que, embora fosse impressionista (o Impressionismo não era tão ligado à gordura), eternizou mulheres volumosas em quadros famosos como As Banhistas, principalmente no final de sua vida. Mas, de acordo com a especialista, “esse era um gosto pessoal do pintor, que se mostrava fascinado pelas gordinhas”. Outro profundo conhecedor de personagens cheinhas e suas barrigas abastadas é o pintor contemporâneo Fernando Botero (1932-), que parece dar um toque de crítica social ao desperdício e ao excesso em suas pinceladas. Seu enfoque é a desproporção, mas suas obras, garante o colombiano, nada têm a ver com seu gosto pessoal por pessoas obesas: “Os personagens que pinto não são uma obsessão por gordura e, sim, por volume”, Botero afirmou certa vez. Afinal, um argumento plausível para um artista que lida com formas e imagens... Escultura de corpos além da arte Se acompanharmos com atenção a história da humanidade, a cada década que se passa, observamos a diminuição do padrão de estética da barriga em volume, lembrando os primórdios do Renascimento, a arte mais racional, mais matemática. Naquela época, os artistas da Europa (e todo o povo grego) valorizavam a perfeição do corpo, assim como o resto do mundo passou a fazer nas últimas décadas. As mulheres mais fofinhas do início dos anos 60 emagreceram e ganharam até alguns músculos no final dessa década, espelhadas no novo visual de personalidades como a atriz americana Rachel Welch. No mesmo período, a modelo Twiggy chocou o mundo com seu corpo magro, quase esquelético. Com o advento da Aids, no entanto, as pessoas passaram a ter um contato direto com a magreza extrema, sofrida, real. O especialista em medicina do exercício, Dr. Hélio Ventura, acredita que essa nova realidade colaborou – e muito – para a valorização de um corpo mais saudável, com pouca gordura e músculos trabalhados. Foi, então, que muitos esportistas levaram a sério demais a máxima do poeta satírico Juvenal (cerca de 60-130) como o supremo ideal do homem: Mens sana in corpore sano. Os anabolizantes e um exagero de exercícios passaram a esculpir os corpos humanos. A conquista feminina no mercado de trabalho e a conseqüente masculinização do seu papel na sociedade também colaboraram para que as mulheres suavizassem as formas onduladas de seus corpos, masculinizando-os. A barriga definida, com os músculos muito aparentes, era enfim festejada. Com o tempo, diante dos acidentes provocados pela falta de limites, “o inconsciente coletivo passou a associar esse corpo sarado com a morte”. Daí é que está surgindo, enfim, o padrão de beleza do novo século: mulheres fortes e secas, mas com muitas, muitas curvas. Gisele Bündchen não nos deixa mentir. Medicina moderna junta esforços para alcançar novo padrão de beleza “Hoje, a mulher procura alcançar um aspecto saudável sem se desvincular da magreza, aliando o trabalho dos músculos abdominais aos recursos da cirurgia plástica”, afirma o cirurgião plástico José G. Furtado. De fato, há uma intensa e gradual procura pelos efeitos imediatos da cirurgia plástica. E como do ponto de vista estetico, a barriga é o lugar do corpo mais associado visualmente à gordura (repare que a figura da pessoa gorda está intimamente ligada à imagem da barriga desproporcional), a lipoaspiração, a lipoescultura, a mini-lipo-abdômen e a cirurgia abdominal clássica tornaram-se práticas quase tão comuns como fazer dieta de emagrecimento ou matrícula na academia de ginástica. O cirurgião plástico e consultor-médico da seção Fale com o Doutor, do PlanetaVida, Carlos André Barbosa, alerta para o fato de que uma cirurgia só deve ser realizada com indicações médicas precisas e depois de feitos todos os exames pré-operatórios de praxe: “É fundamental que haja uma relação franca entre médico e paciente. A pessoa deve expor suas expectativas e ser orientada a respeito de todo o processo pós-operatório. Além disso, é preciso muito bom senso de ambas as partes para adequar a barriga ao resto do corpo da paciente”. O Dr. Hélio Ventura defende a idéia de que só há uma indicação para a cirurgia de lipoaspiração: quem tem uma camada de gordura pequena no corpo inteiro, músculos trabalhados e somente um pouquinho de barriga. Mesmo assim, argumenta o médico, se a pessoa tiver um mínimo de paciência, é possível eliminá-la com uma dieta rica em fibras e vitamina E (uma das enzimas responsáveis pela quebra de gordura funciona mal diante da deficiência dessa vitamina) e pobre em gordura, principalmente a saturada; atividade aeróbica e o fortalecimento dos músculos abdominais (eles fazem um efeito similar ao de uma cinta). E o plexo solar? Um ponto de vista mais holístico diz que o excesso de gordura na barriga prejudica a capacidade de sentir a realidade: “O plexo solar é um feixe de nervos localizado em frente ao estômago. Ele é pressionado quando a pessoa come demais ou engorda, amortecendo as energias nervosas que são captadas. Resultado: a pessoa se torna capaz de suportar choques emocionais maiores, no entanto, tem sua sensibilidade diminuída diante dos acontecimentos”, conta o terapeuta de chakras Pedro Tornaghi. Independente de tantos pontos de vista, sejam eles artísticos, científicos ou holísticos, há que se pensar que um pouco de barriga é natural da constituição humana, principalmente da feminina. Talvez seja a linguagem de que se vale o corpo para mostrar que está preparado para gerar outra vida. De qualquer forma, sem saber que as curvas voltariam a reinar nos padrões da estética, Vinícius de Moraes já anunciava sua Receita de Mulher: “As muito feias que me perdoem / Mas beleza é fundamental. É preciso / Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso/ (...) / Que haja uma hipótese de barriguinha (...)” Escutemos, portanto, as palavras do sábio poeta.