A agitada vida no útero materno
O verdadeiro nascimento ocorre muito antes do parto. Segundo os estudiosos do psiquismo pré-natal, deveríamos considerar como nascimento o real momento em que se inicia uma nova vida, ou seja, o momento da concepção, em que óvulo e espermatozóide se unem, dando início à geração de um novo ser. Um ser aparentemente frágil, ainda em formação, mas já com as principais faculdades que o tornam humano: a inteligência, a personalidade, o sentimento. Dentro do útero materno, o feto já sonha, sorri e até chora, do seu jeito. Já faz gestos cheios de intenção. Já reconhece a voz dos pais e sente se sua chegada é desejada ou não. Todas essas experiências ficam registradas em uma memória inconsciente e influenciam seu comportamento na vida fora do útero. Profissionais de diversas especialidades têm se dedicado ao estudo do psiquismo fetal: médicos, psicólogos, pedagogos, antropólogos, educadores, sociólogos. Nas últimas décadas, através de técnicas como ultra-sonografia e filmagem intra-uterina, foi possível observar com detalhes todos os passos do desenvolvimento do feto. Foram criadas ainda novas técnicas de observação do bebê após o nascimento. Vida no útero é mais agitada do que se pensava Com essas técnicas, os pesquisadores do assunto perceberam que os recém-nascidos já tinham algumas características de personalidade própria, não eram todos iguais. Uns eram cheios de vida e outros, apáticos. Já eram capazes de reconhecer e gostar mais da presença da mãe e do pai do que da de qualquer outra pessoa. Já tinham certas habilidades, como a de sugar, que teriam que ter uma origem e uma explicação anteriores ao nascimento. Descobriu-se então que a vida dentro do útero materno é muito mais agitada do que se pensava. Uma das pioneiras a observar isso foi a psicanalista italiana Alessandra Piontelli. Ela acompanhou a gravidez de um grupo de mulheres e registrou que os fetos eram capazes de: perceber luz e som e reagir a esses estímulos; engolir; ter paladar, preferindo o sabor doce ao amargo; escolher sua posição predileta; registrar sensações e mensagens sensoriais; dormir; sonhar; sorrir ao vivenciar uma experiência agradável; chorar um choro conhecido como vagitus uterinos, reação observada em alguns bebês que sofreram tentativa de aborto; acordar; bocejar; esfregar os olhos; espreguiçar-se, fazer caretas; piscar; reagir à voz da mãe e do pai com o aumento dos batimentos cardíacos; brincar com o cordão umbilical e com a placenta; chupar os dedos das mãos e dos pés; reagir com irritação se molestados. Piontelli observou que cada feto já trazia traços de personalidade próprios. Cada um tinha uma forma diferente de se relacionar com a placenta e o cordão umbilical. Mesmo entre os gêmeos, um era mais agitado, o outro calmo. E o mais curioso é que, ao acompanhar os bebês após o nascimento, ela observou que eles mantinham as características de quando eram fetos. Memórias pré-natais influenciam no comportamento O psicanalista Joaquim do Couto Rosa dá um exemplo que ilustra como as memórias da vida intra-uterina ficam gravadas depois do nascimento. Ele conta uma história retirada de um dos livros da Drª Piontelli. Numa gestação de gêmeos, um dos fetos morreu. Nesses casos, mantém-se a gravidez até o final, porque o feto morto se mumifica e não há riscos para o sobrevivente. Porém, observou-se que o feto vivo tentava a todo custo “ressuscitar” o outro, cutucando-o, sem resultado. Depois do nascimento, o trauma deixou marcas: o bebê sacudia todos os brinquedos, revivendo inconscientemente a experiência de tentar ressuscitar o irmão. Só depois de passar por uma terapia modificou seu comportamento. A psicanalista Joanna Wilheim, presidente da Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré-Natal e Perinatal, vai mais longe e afirma que as memórias ficam registradas não apenas depois que o feto está formado, mas desde que o ser ainda estava dividido em espermatozóide e óvulo, no que ela chama de memória celular. Para ela, as experiências negativas vividas desde antes da fecundação geram as raízes dos sentimentos negativos de abandono, desamparo, pessimismo, desesperança, desconfiança. Uma pergunta que surge é: mas como pode o feto ter memória, inteligência, personalidade e sentimento se seu desenvolvimento ainda nem está completo? Na verdade, segundo Joanna Wilheim explica em seu livro O que é psicologia pré-natal, editado pela Casa do Psicólogo, hoje é inadequado dizer que o sistema nervoso do feto é imaturo. A partir da sétima semana de gestação, já há endorfinas circulando, o que indica que os sistemas endócrino e imunológico - partes vitais de um sistema de comunicação - já estão funcionando. Além disso, já se sabe que a memória independe do tamanho e do peso do cérebro. Feto sente as emoções da mãe As capacidades do feto têm sido comprovadas por diversas pesquisas, que têm mostrado, por exemplo, que ele ouve sons e reage a eles. Assusta-se com barulho de palmas ou fogos de artifício e fica hiperativo com o som de filmes violentos. Também sofre quando a mãe está estressada ou passa por períodos de medo ou angústia. Ela passa a secretar uma quantidade maior de substâncias neuro-hormonais e, uma vez lançadas na corrente sanguínea, esta chegam também ao feto. Outras pesquisas já mostraram que o feto leva um susto quando a mãe ou o pai têm um orgasmo – há um aumento excessivo e descontrolado de seus batimentos cardíacos, movimentação e atividade. Ou seja, o útero não é a cópia mais fiel do paraíso como antes se pensava, lugar de calmaria permanente, onde o bebê estaria protegido de qualquer fator agressor. Segundo Joanna Wilheim, o volume de ruído gerado pelo organismo da mãe é, para o feto, semelhante ao produzido pelo trânsito urbano. Desmistificou-se também a idéia de que a placenta é um filtro que não deixa passar nenhuma substância nociva para o feto. Hoje, já se sabe que tudo o que a mãe ingere é absorvido por ele, inclusive álcool, cigarro e drogas. Muitos reagem quando a mãe fuma, parando de engolir o líqüido amniótico, numa clara demonstração de rejeição à nicotina. Conversar com o bebê reforça vínculo com os pais De posse desses conhecimentos, os pais podem entender muito melhor o que se passa com o seu bebê em formação e tentar agir para que ele tenha a melhor experiência possível em sua passagem até o nascimento. A psicanalista sugere dedicar atenção ao feto várias vezes por dia. Conversar baixinho com ele, contar dos preparativos feitos para recebê-lo, cantar para ele, acariciá-lo tocando o ventre. Os bebês recém-nascidos são capazes de reconhecer histórias que as mães contavam durante a gravidez, assim como as músicas que elas cantavam. Os sons familiares fazem com que se acalmem. O pai também pode se aproximar mais do filho conversando com ele. “Há relatos de bebês que já na sala de parto viram-se em direção ao pai ao ouvir sua voz, em meio a outras vozes masculinas. Eles se lembram daquela voz que ouviam constantemente quando estavam no útero”, afirma. Quando a mãe fica nervosa, é importante explicar para o bebê o que a transtornou, porque o feto fica afetado fisiologicamente. Segundo Joanna Wilheim, é claro que toda grávida está sujeita a perturbações. Porém, durante estados de desequilíbrio emocional, a descarga neuro-hormonal sobre o feto lhe dá a sensação de ter a vida ameaçada. “Conversas tranqüilizadoras podem restituir sua sensação de segurança, otimismo e esperança, reforçando o vínculo entre mãe e filho”, explica a psicanalista. Um vínculo ainda mais forte do que se supunha.