A arte de ouvir um não
Ninguém gosta de receber uma resposta negativa. E quando ela envolve um convite ao sexo, no caso de relacionamentos estáveis, é ainda pior. Imediatamente surgem questionamentos quanto ao sentimento e à fidelidade do parceiro. E o passo seguinte é, sem dúvida, a queda brusca da auto-estima. Mas a situação pode não ser tão grave assim se os fantasmas que se julga existir não passam de fantasias... Convite ao passado Antes de mais nada, dizer “não estou com vontade” não é tão fácil assim.
Voltemos ao passado para lembrar o peso da repressão sexual em nossa estrutura sócio-histórica, principalmente em relação às mulheres para quem, durante séculos, as vivências sexuais estiveram vinculadas exclusivamente à reprodução. Ou seja, suas realizações se limitavam à família e à maternidade. Partindo daí, a sexóloga do PlanetaVida, Dra. Sandra Baptista, diz que “se levarmos em conta a força da estrutura sócio-histórica sobre a mente humana, vemos porque é tão difícil alterar códigos de valores, crenças e atitudes profundamente arraigadas. Daí também porque se torna difícil para as pessoas, em especial para as mulheres, expressarem claramente o que desejam, o que não desejam, e quando”. Mulheres... Vá entendê-las...
O diretor do Instituto de Sexologia do Rio de Janeiro, Dr. Arnaldo Risman, concorda que há uma diferença sócio-cultural entre homens e mulheres: “Ela é ensinada a nunca dizer não para o marido. Daí porque precisa inventar desculpas”, comenta. Os argumentos, ou linguagens cifradas, como preferem os especialistas, variam do tipo: * “Hoje estou com dor de cabeça” (essa é clássica!); * “Minha menstruação ainda não terminou” (mesmo que já tenha acabado, ela ainda usa o absorvente...); * “O ginecologista disse que estou com um corrimento e não posso fazer sexo”, etc. Há ainda o “não” com jeitinho de “sim”... Muitas mulheres ainda são educadas sob o princípio de que devem ser difíceis para não se tornarem vulgares. “Daí a necessidade de, muitas vezes, cumprirem esse papel social e acabarem agindo exatamente como a sociedade espera”, explica Sandra.
Outra faceta desse “não” distorcido é quando a mulher está insatisfeita com a abordagem do parceiro ao propor o sexo. Não é difícil escutar reclamações femininas do jeito direto e pouco romântico de seus companheiros. E como não têm coragem de expor a verdade, acabam recorrendo às velhas desculpas... É mais fácil ser homem... Será? Já o homem é criado para nunca negar fogo. O motivo? “Admitir que não está com vontade de ter relações sexuais poderá depor contra ele”, diz Sandra. Pelo menos é assim que muitos pensam. E aí surgem as justificativas capazes de aboná-lo, como: “Nunca trabalhei tanto como hoje, estou exausto...” Quando está do lado oposto, no entanto, a coisa fica ainda mais séria. Risman diz que o homem nunca acha que está com problemas: “Ele raramente pensa que tem defeitos. Imagina que a mulher tem outro ou que está com algum problema ginecológico, mas nunca que a culpa é sua”. Isso explica os comentários agressivos que muitos dirigem à parceira no caso de uma recusa: “No mínimo, ele a chama de feia”, exemplifica o especialista. Ao contrário do universo masculino, a mulher tende a se sentir a última das criaturas quando o homem resiste aos seus encantos de sedução. Tem certeza de que não é mais desejada, sente-se feia e sem qualquer atrativo. “O fato é que um não na cama para ambos, homens e mulheres, é uma completa rejeição”, diz Risman. Como sobreviver a uma rejeição?
Em primeiro lugar, é preciso descobrir a causa da recusa. Se ela acontece uma vez ou outra, pode ser muito normal e significar apenas “hoje não estou com vontade”. Se houver uma outra razão, que se tente descobrir a verdade. A parceira pode estar emitindo um alerta, por exemplo, para que o outro modifique suas táticas de abordagem. Sandra Baptista dá a dica: “Se for este mesmo o caso, não se deve esquecer que a sedução nunca pode deixar de existir em um relacionamento, e que nenhuma mulher resiste a um homem carinhoso, romântico. O ideal é tentar demonstrar, quer por palavras ou gestos, que não deseja usá-la mas, sim, compartilhar momentos prazerosos”. O que não vale é tentar interpretar uma reação, fazer suposições. Uma conversa franca, sem preconceitos ou tabus, é o melhor remédio para problemas dessa natureza. Principalmente quando o “não” se torna freqüente: “Pergunte o que está acontecendo, peça sugestões, questione como gostaria que fosse, o que realmente deseja... Nada melhor para aparar as arestas de uma relação sexual conturbada do que um diálogo objetivo, sincero e tranqüilo”, aconselha a sexóloga. E para quem deseja algo mais, ou seja, uma pista que sugira nem tentar naquele dia, Arnaldo Risman revela alguns sinais: “O sexo começa no café da manhã e termina à noite. Ou seja, o diálogo e o olhar são extremamente reveladores. Assim como ficar no computador até altas horas da madrugada ou dormir muito mais cedo do que de costume.” Portanto, se um dia isso vir a acontecer com você, de nada adiantará ficar cabisbaixo, imaginando o naufrágio da relação. Lembre-se de quanto o ama e invista na reconquista. E, se o problema for única e exclusivamente cansaço ou falta de vontade momentânea, resta dormir bem abraçadinho e esperar que o amanhã chegue logo.