A feminização da aids
Para cada dois homens infectados com o vírus HIV, há uma mulher contaminada. Entre os adolescentes na faixa dos 15 aos 19 anos, a situação é ainda pior e a proporção cai para praticamente a mesma. No total, são 44.151 casos de Aids em mulheres até novembro do ano passado, de acordo com o Ministério da Saúde. Isso representa 24,6% do total, sendo que 81,5% desses casos foram notificados de 93 a 99, apresentando uma tendência de crescimento. É a feminização da doença. Dados do Ministério da Saúde indicam que 50% dessas mulheres contraíram o HIV do seu parceiro. E uma das principais razões é que a mulher ainda não aprendeu a exigir do homem que ele use o preservativo masculino, mesmo em uma relação tida como estável e monogâmica. Apenas 22% delas cultivam esse hábito, segundo a pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Ministério. O aumento da incidência de casos entre as mulheres já era previsto pelos especialistas Até 1985, a proporção era de 24 homens com Aids para cada mulher. Números bem diferentes dos que aparecem nas estatísticas atuais. Mas, para os especialistas, dados como esses não causam espanto. O aumento do número de mulheres com Aids já era esperado. E, segundo o ginecologista Théo Lerner, está relacionado diretamente às formas errôneas de se encarar a síndrome. Ele diz que, desde o início, a Aids foi tratada como uma praga limitada a pessoas de comportamento sexual "inadequado" ou "permissivo", no caso, homossexuais, promíscuos, prostitutas e drogados. “Este conceito ajudou na criação do mito do grupo de risco, ou seja, que só as pessoas anormais estariam sujeitas ao risco de contrair a doença”, diz. De acordo com Théo, como a maioria da população se considera "normal", o risco de contrair a doença passou a ser do outro, que é "anormal". “O grande problema é que não existe esta divisão clara entre comportamentos considerados aceitáveis ou normais e os tidos como aberrantes ou anormais em qualquer subgrupo da nossa sociedade”. Muitas mulheres se contaminam por falta de informação e por desconhecer seu companheiro Ao defender sua tese de mestrado, intitulada Contornos Femininos da Aids em São José do Rio Preto, a pedagoga Maria Cecília Figueira de Melo se deparou com uma triste realidade: a desinformação a respeito da síndrome e até mesmo o desconhecimento do companheiro são as principais causas de contaminação. Para a pesquisa qualitativa divulgada em 99, ela ouviu o depoimento de 10 mulheres. Uma delas, uma típica dona de casa de classe média-baixa, de 57 anos, que só descobriu que era soropositiva quando o marido adoeceu. Para a mulher foi um choque, mas o pior foi ser considerada culpada. “O companheiro dela a culpou por não o satisfazer completamente e disse que, por isso, precisava procurar mulheres nas ruas”, conta. O mais chocante nessa história é que a mulher continuou com o casamento e também manteve uma vida sexual ativa com ele. Com uma única diferença: desde então, ela passou a exigir o uso do preservativo. Essa submissão não é uma característica percebida apenas em casos isolados. “São os valores dessas mulheres. Elas não conseguem se situar como personagens que têm direito à própria vida e por isso se agarram à vida do outro”, explica Cecília. Outro caso que impressionou a pedagoga foi o de uma mulher casada com um usuário de drogas. Segundo Cecília, essa moça imaginava que o marido apenas fumasse maconha. Só quando ela já estava grávida do segundo filho é que descobriu a verdade: ele usava drogas injetáveis e morreu antes mesmo de o bebê nascer. De todas as mulheres ouvidas pela pedagoga, uma reclamação era unânime: o preconceito é muito grande até nos meios da saúde. Uma delas, por exemplo, contou que foi a um hospital apenas para verificar a pressão arterial. Lá, ela se achou na obrigação de contar que era portadora do vírus da Aids. “Por causa disso, acabou não sendo atendida e ficou passando de hospital em hospital. Um empurra o caso para o outro. No total, foram três hospitais até que ela conseguisse atendimento”, denuncia Maria Cecília. Os cuidados devem ser redobrados quando o assunto é maternidade e amamentação A transmissão vertical, que acontece de mãe para filho, vem crescendo a cada ano. Hoje, estima-se que existam 12 mil gestantes infectadas pelo HIV. Este tipo de transmissão poderia diminuir consideravelmente caso as grávidas fizessem o tratamento com o AZT desde o início. Além disso, outra recomendação dos médicos é a de que a mulher que tenha Aids não amamente seu filho para que este não corra o risco de ser contaminado. Esta, aliás, foi uma determinação da ONU (Organização das Nações Unidas). Em um documento oficial, a ONU desencoraja as mulheres infectadas pelo vírus da Aids a amamentar. Esta seria uma das formas de prevenir a transmissão vertical. Mas, a ONU faz questão de salientar que esta é uma orientação apenas para as mulheres com Aids.