A nova multifamília
O exemplo do casal unido para todo o sempre é cada vez mais difícil de ver. Nas sociedades modernas, a maioria dos pais se separa e constitui novas famílias. Cabe às crianças se adaptarem a este novo contexto, no qual é possível ter dois pais, duas mães, meio-irmãos, irmãos postiços, além de uma casa diferente para passar os fins de semana. E como elas se sentem tendo que conviver com duas famílias? Tudo vai depender de como os casais se comportam, diz a terapeuta de família Maria Cristina Milanez. Segundo ela, a alta incidência de divórcios e de segundos casamentos levou à criação de conceitos como irmão por convivência, filhos por casamento, que são os filhos do cônjuge, e filhos por nascimento (de sangue). “O mais importante é que as pessoas não neguem as relações anteriores, como se tudo tivesse começado com o casamento atual. A criança sabe que isso não é verdade”, diz ela. Como em qualquer situação da vida, os segundos casamentos proporcionam perdas e ganhos para a criança. Se por um lado, ela pode perder a primazia e o espaço na casa, por outro, ganha novos irmãos, ainda que sem laços sangüíneos. Os problemas costumam acontecer, porém, quando o novo casal ou um dos cônjuges tenta minimizar as perdas, mostrando apenas o lado bom da situação. “Não adianta fantasiar que o novo casamento constituirá a família perfeita e a criança não perderá nada. Claro que perderá. Mas há também os lados positivos da situação. É preciso equilibrar vantagens e desvantagens, sem mascarar a realidade, fingir que se está no melhor dos mundos”, acredita a terapeuta de família. Conflitos não devem atrapalhar relacionamento do casal Em muitos casos, as crianças sentem ciúme dos filhos “novos” do pai ou da mãe e criam situações de conflito. O melhor a fazer, segundo Maria Cristina, é não deixar que elas percebam que estão sendo motivo de discussões. “A fantasia inconsciente da maioria das crianças é reunir pai e mãe. Então, saber que está causando atrito entre o novo casal é fonte de satisfação e reforça o comportamento anti-social que a criança porventura esteja tendo”, diz ela. Segundo Maria Cristina, o casal precisa se manter uníssono, em sintonia, para que a “nova” família tenha um relacionamento saudável: “Ter mais de um pai ou de uma mãe pode ser a melhor experiência da vida de uma pessoa, desde que as diferenças sejam respeitadas.” Até porque, nos dias de hoje, é cada vez mais comum que as crianças convivam com coleguinhas que passam pela mesma situação. Numa sala de aula, geralmente, há muitos filhos de pais separados, tornando a situação cada vez mais natural, diz a psicóloga clínica Lucia Bello. Maturidade dos pais ajuda a evitar conflitos Para Lucia, o mais importante quando os pais se separam e casam de novo é cultivar a sinceridade com os filhos. “Se as separações são encaradas de forma madura pelos adultos e isso é esclarecido para as crianças, dificilmente ocorrerão problemas”, diz ela. É fundamental também não deixar que os filhos se sintam culpados pela separação. Eles precisam saber que o divórcio é uma decisão dos adultos, que nada tem a ver com o comportamento das crianças. Mesmo com toda a maturidade dos adultos, é possível que ocorram pequenos conflitos. Um dos mais comuns é o ciúme sentido em relação aos filhos do cônjuge do pai ou da mãe. “Às vezes, pode ser difícil saber quais os seus direitos, que espaço está ocupando. Cabe aos pais agirem de forma democrática, mostrando que a nova família é um grupo onde a opinião de todos tem o mesmo peso. Ninguém é mais importante do que o outro”, diz Lucia. Mas equacionar todas essas variáveis é mesmo difícil, admite a psicóloga. É como viver no fio da navalha, tentando equilibrar os desejos e as dificuldades de todos. Crianças e adultos, vindos de famílias diferentes, com histórias diferentes. “No mundo moderno, porém, essa situação é cada vez mais comum. É possível conciliar tudo e ser feliz outra vez”, conclui ela. Matéria de Novembro de 2000