A vida (nada doce) dos diabéticos
O diabetes atinge cerca de 135 milhões de pessoas em todo mundo. Previsões nada otimistas estimam que,daqui a dez anos, teremos 240 milhões de diabéticos, a maioria em países em desenvolvimento. As conseqüências deste distúrbio são perigosas. Um paciente mal controlado corre o risco de apresentar complicações como cegueira, amputação de membros, insuficiência renal, distúrbios neurológicos, infarto do miocárdio e até derrame cerebral. Por outro lado, o avanço da Medicina traz novas esperanças de tratamento com a descoberta de drogas capazes de impedir o agravamento da doença. Para explicar como prevenir o diabetes, conversamos com o endocrinologista Alfredo Halpern, fundador e ex-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade(ABESO) e Responsável pelo Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas da USP e do Hospital Albert Einstein. Salutia – Como podemos definir o diabetes? Dr. Alfredo Halpern – Existem dois tipos: o diabetes mellitus, manifestação da doença mais comum e caracterizada por níveis elevados de glicose no sangue (hiperglicemia), e o diabetes insípido, que é raro e ocorre por uma deficiência do hormônio anti-diurético. Sempre que se referem ao diabetes mellitus, os endocrinologistas utilizam apenas o termo diabetes. Salutia – Que fatores desencadeiam o diabetes mellitus? Dr. Alfredo Halpern – A doença pode surgir devido à falta ou ausência de insulina no organismo. O principal hormônio produzido pelo pâncreas é justamente responsável pela regulação do metabolismo da glicose. Conhecido como diabetes tipo 1, este desequilíbrio acaba provocando o acúmulo de açúcar no sangue. Outro motivo que pode contribuir para a manifestação da doença é a resistência à insulina. Neste caso, o diabetes é chamado de tipo 2 e os níveis deste hormônio até podem estar elevados. Salutia – Como diferenciar estes dois tipos? Dr. Alfredo Halpern – O tipo 1 representa a forma mais grave e surge, normalmente, na infância ou na adolescência, quando tem início a destruição das células produtoras de insulina. Contudo, também pode aparecer em indivíduos adultos. Existem várias teorias que procuram explicar o motivo desta falência das células pancreáticas responsáveis pela fabricação do hormônio: tendência genética, estresse emocional, infecção viral e produção de anticorpos contra as células pelo próprio organismo. Provavelmente, a doença é causada pela associação entre duas ou mais causas. Nesta manifestação clínica, o nível de insulina cai virtualmente a zero e daí a necessidade de fazer sua reposição através de injeções subcutâneas. Os médicos também observaram que, neste tipo, a freqüência de doenças em outros familiares não é muito grande. Salutia – E o diabetes tipo 2? Dr. Alfredo Halpern – Em geral, se manifesta na fase adulta, freqüentemente após os 40 anos. Pode, entretanto, aparecer em crianças muito obesas. Ao contrário do tipo 1, verificamos a presença de vários casos do distúrbio na família. Ao menos nos primeiros anos, não há a necessidade de injeções de insulina diárias: basta que o doente controle os níveis de glicose com comprimidos ou apenas com dietas. Este tipo pode ser provocado por estresse, pelo uso de medicações contendo cortisona e, principalmente, pelo ganho exagerado de peso. O componente genético também contribui para o seu surgimento. Salutia – Existem outros tipos de diabetes mellitus? Dr. Afredo Halpern – Sim. Temos o diabetes que se instala nas mulheres grávidas, quando ganham muito peso durante a gestação. O distúrbio também pode surgir associado à desnutrição, ao alcoolismo, à pancreatite crônica e, embora mais raro, devido a algumas síndromes genéticas. Salutia - Quais os principais sintomas? Dr. Alfredo Halpern – Excesso de urina (diurese abundante) e, em algumas histórias, sede e fome descontroladas. Geralmente, o paciente precisa se levantar da cama várias vezes durante a noite para urinar e beber líquidos. Também são freqüentes micoses, alterações visuais e fraqueza. No diabético 1, é comum o emagrecimento e, no tipo 2, seus portadores são quase sempre são obesos. Salutia – Por que a obesidade é capaz de desencadear a doença? Dr. Alfredo Halpern – Toda pessoa que ingere uma quantidade excessiva de calorias e não pratica atividades físicas corre o risco de engordar. Consideramos a obesidade um fator que faz com que a insulina funcione mal: ocorre a chamada resistência à insulina. E, em indivíduos que apresentam casos de diabetes na família, aí sim o excesso de peso aumenta consideravelmente as chances de desenvolverem a doença. A obesidade, principalmente a abdominal, provoca a elevação da produção de insulina pelo pâncreas na tentativa de compensar a redução da eficiência deste hormônio. Durante anos, este aumento mantém o nível do açúcar do sangue dentro de níveis considerados normais. Porém, a oferta de uma produção deste hormônio em quantidade elevada nem sempre consegue ser conservada e a taxa de glicose começa a se elevar no sangue, dando origem ao diabetes tipo 2. Salutia – O diabético que não faz um controle adequado da glicose está sujeito a que perigos? Dr. Alfredo Halpern – Pode ocorrer o comprometimento dos nervos, principalmente daqueles que têm fibras mais longas. As primeiras manifestações aparecem na forma de formigamentos, sensações de queimação ou dores na palma dos pés, podendo evoluir para a insensibilidade dolorosa e tátil da região. O mau controle também é capaz de ocasionar problemas circulatórios, que dificultam a cicatrização e o combate de infecções. A insensibilidade e a circulação deficiente costumam facilitar o aparecimento de feridas indolores na planta dos pés, que podem se infectar e forçar situações de amputações em diferentes níveis, conforme a gravidade. Além destas lesões nervosas e vasculares periféricas, os diabéticos apresentam risco aumentado de doenças oculares, renais, infartos do miocárdio, derrames cerebrais e lesões de artérias dos membros. Salutia – Por que o organismo do diabético está mais sujeito a inúmeras complicações e pode ser afetado por outras doenças? Dr. Alfredo Halpern – Quem tem a doença geralmente sofre de dois problemas vasculares: a microangiopatia e a macroangiopatia. A primeira atinge pequenos vasos sangüíneos. Na retina, por exemplo, pode levar a proliferação de novos vasos e a sangramento com conseqüente redução da capacidade visual, enquanto nos rins normalmente provoca a diminuição da atividade de filtração. Já a macroangiopatia surge principalmente no coração, no cérebro e nos membros (em especial nos inferiores). Trata-se de uma arteriosclerose acelerada. Ou seja: revela-se com os mesmos processos que ocorrem em não-diabéticos, mas que, em pessoas que convivem com a doença, se desenvolve com muito mais velocidade. Vale destacar que o diabético que segue a orientação constante de seu médico não apresenta uma aceleração no desenvolvimento destas complicações. Salutia – Existe alguma relação entre o diabetes e as emoções? Dr. Alfredo Halpern – Quando nos emocionamos, liberamos os chamados hormônios contra-reguladores, que se opõem aos efeitos da insulina. Desse modo, é possível, teoricamente, tanto o seu aparecimento como a piora da doença já instalada. Em alguns casos de diabetes, verifica-se a presença de forte estresse emocional precedendo o quadro deste distúrbio, como a perda de parentes e amigos. Há relatos na literatura médica de pequenas epidemias de diabetes em cidades acometidas por catástrofes. Contudo, é arriscado, diante de um caso em particular, chegar a uma conclusão sobre o fator desencadeante. Salutia – Como tratar a doença? Que alimentos devem ser evitados? Dr. Alfredo Halpern – O diabetes tipo 1 é tratado com injeções únicas ou múltiplas de insulina. Já o tipo 2 pode ser controlado com drogas que agem de várias maneiras: diminuindo a resistência à insulina, aumentando produção da mesma ou reduzindo a absorção de carboidratos. Todo diabético deve seguir uma dieta com significativa diminuição de carboidratos simples (açúcar). De resto, comer como uma pessoa normal para ter um peso adequado. Como regra geral, a quantidade de gorduras na alimentação não deve ultrapassar aos 30% de calorias diárias e, de preferência, devem ser de origem vegetal. Alimentos ricos em fibras são indicados, como pão e arroz integral, macarrão com fibras, farelos e frutas. A boa alimentação facilita o controle da taxa de glicose na corrente sangüínea, permitindo a utilização de doses menores de medicamentos. Em alguns casos, entretanto, a dieta sozinha não tem o poder de reduzi-los, razão pela qual remédios de vários tipos são prescritos. Hoje em dia, os endocrinologistas permitem que seus pacientes diabéticos consumam diariamente uma quantidade inferior a 30 gramas de açúcar em refeições mistas (onde foram ingeridos vários grupos de alimentos). Contudo, não vale abusar: a maior parte das porções habituais de doces possui uma quantidade de açúcar superior a esta. O paciente precisa ficar bem atento. * Este e outros assuntos poderão ser pesquisados no livro Medicina - Mitos e Verdades, organizado pela jornalista Carla Leonel. Na forma de perguntas e respostas, a obra explica de modo claro as causas, sintomas, conseqüências, tratamentos e prevenção de doenças, assim como aquelas questões que o paciente se sente constrangido em fazer ao médico. São 21 especialidades e mais de 1.000 assuntos distribuídos em 640 páginas. Respostas dadas por alguns dos mais respeitados nomes da Medicina no Brasil. Publicado pela Editora CIP, o livro já vendeu mais de 170.000 exemplares. 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