Agitação em excesso pode ser sinônimo de doença
Crianças desatentas, impulsivas, inquietas e que lidam mal com as frustrações precisam receber atenção extra de pais e professores, porque, provavelmente, são vítimas de hiperatividade. O distúrbio não é “passageiro ou típico da idade”, mas uma doença que precisa ser tratada. Caso contrário, psicólogos, psiquiatras e neurologistas infantis garantem que a criança pode desenvolver quadros de depressão, agressividade excessiva, exclusão social e dependência de drogas no futuro. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 3 a 5% da população infantil mundial é hiperativa. A origem do problema está relacionada tanto a fatores ambientais como genéticos. Sabe-se, por exemplo, que em casos graves (que comprometem a qualidade de vida da criança e dos pais) o componente orgânico tem mais peso do que o emocional. “Quem apresenta os sintomas de maneira constante tem imaturidade na formação cerebral, que deve ser corrigida com medicação e terapia multidisciplinar”, explica o psiquiatra infantil Enio Roberto de Andrade, chefe do Ambulatório de Hiperatividade e Distúrbios de Atenção do Hospital das Clínicas, em São Paulo (Brasil), que atende crianças hiperativas. Cérebro recebe menos sangue Uma pesquisa recente, realizada nos Estados Unidos, mostrou que crianças que sofrem de hiperatividade recebem menos sangue em uma região do cérebro conhecida como Putamen, localizada no núcleo cerebral (massa cinzenta). Essa área, que está ligada aos movimentos e à concentração, recebe menos oxigênio e prejudica diversas funções do cérebro. “Daí explica-se por que a criança hiperativa tem dificuldades motoras (é normalmente estabanada, troca letras ao falar e, quando escreve, tem a letra muito feia) e pouca capacidade de concentração”, diz. Emoção também conta A hiperatividade “emocional” não se manifesta de maneira constante. “A criança fica mais agitada conforme o ambiente. Pode ser uma santa em casa e uma peste na escola”, explica o psiquiatra infantil do Rio de Janeiro, Alfredo de Castro Neto. Nesses casos, apenas o tratamento com sessões de psicoterapia pode resolver o problema. “Crianças com hiperatividade emocional têm dificuldades em casa ou na escola e podem estar com a agenda muito lotada. Estão, na verdade, estressadas”, explica Castro Neto. Pais e professores atentos A escola e o ambiente familiar são fundamentais na recuperação da criança hiperativa. “É importante que pais e professores percebam os sintomas e procurem a ajuda de um profissional. O tratamento mais eficaz é o chamado multidisciplinar, que engloba medicação quando necessária, terapia e trabalhos com pedagogos e fonoaudiólogos, que tentam corrigir as dificuldades motoras e de aprendizado do hiperativo”, aconselha o psiquiatra Enio de Andrade. A criança deve ser estimulada a ler e escrever de maneira mais lenta, já que é muito inquieta e não consegue se concentrar nos estudos. Quanto aos remédios, os pais nunca podem dá-los por conta própria e devem fugir, principalmente, dos calmantes. “A criança pode ficar apática e não vai melhorar”, garante Andrade. Nos Estados Unidos, a droga mais indicada para o tratamento de crianças hiperativas é a ritalina, antidepressivo capaz de corrigir o problema do fluxo sangüíneo a longo prazo, que já é usado também no Brasil. Não é necessário uma escola especial Se a criança hiperativa estiver sendo devidamente tratada, não precisa freqüentar nenhuma escola especial. “Nos Estados Unidos, essas instituições até existem. No Brasil, são raras e atendem, ao mesmo tempo, crianças com várias outras deficiências, o que pode prejudicar o tratamento do hiperativo. Recomendamos que a criança leve uma vida o mais normal possível, em uma escola onde possa comparar o seu comportamento com o de outros colegas e acelerar a mudança”, diz Andrade. A pedagoga paulista Maria Cristina Sam Golstein, que tem um filho hiperativo, concorda: “Basta os responsáveis pela criança, em casa ou na escola, fazerem algumas adaptações”, diz. Maria Cristina dirige um grupo de apoio às famílias de hiperativos. Os pais devem perceber o excesso de energia do filho e canalizá-lo para alguma atividade, como esporte e pintura. E os professores devem criar oportunidades diferentes para a criança, percebendo a sua inquietação. “Aconselho não colocar um filho hiperativo em uma escola grande, com muitos alunos. Ele precisa receber uma atenção especial e o professor deve estimulá-lo sempre a mudar de atividade, para conter a sua agitação”, ressalta Andrade. Matéria de junho de 2000