Ano novo, manias velhas
Que tal aproveitar a virada do ano para perder uns quilinhos? Deixar de fumar? De beber? Extremamente fácil: quando badalar o sino da virada você joga os cigarros no lixo, troca o suculento pernil por uma salada e não aceita a taça de champanha que lhe oferecem. Simples como trocar de camisa, não fosse a histórica dificuldade que o ser humano encontra para mudar hábitos enraizados. “É claro que muita gente não consegue, mas para outro tanto marcar datas funciona muito bem”, garante a psicanalista carioca Beatriz Kuhn, que jura por tudo o que é sagrado que a partir de 1º de janeiro nunca mais colocará um cigarro na boca. “Aproveitei a virada do ano para fazer um compromisso comigo mesma”, anuncia ela. Durante muitos anos Beatriz foi debatedora do programa “Sem Censura”, da TVE. Atualmente escreve uma coluna na revista “Caras” intitulada Amor. Defensora de datas pré-agendadas para o início de programas de mudança de hábito, a psicanalista diz que parar de fumar, de comer porcarias ou beber menos é uma questão de planejamento. Marcar datas pode ser uma baliza importante nesta reeducação. “Não encarem como um ritual mágico, confluência de astros ou coisas assim. A data é apenas uma referência, o que conta mesmo é a força de vontade para levar a proposta adiante”, alerta ela. Para os mais intransigentes, alguns dados oficiais podem ajudar. O Ministério da Saúde estima que a cada ano 80 mil pessoas morrem no Brasil em decorrência de doenças ligadas ao excesso de peso. Somente o câncer de pulmão causado pelo cigarro matará 13 mil pessoas no país no ano 2000, fora todas as outras doenças ligadas ao tabagismo e que matam 4 milhões de pessoas por ano no mundo. De acordo com uma pesquisa realizada em 1999 pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, 15% da população brasileira é dependente do álcool, uma droga que detona a saúde com a mesma violência que a cocaína ou o crack. Em São Paulo, 45% dos jovens entre 13 e 19 anos envolvidos em acidentes no ano de 1998 haviam bebido em excesso. Motoristas bêbados são responsáveis por 65% dos acidentes fatais no trânsito da capital paulista. Seis milhões de brasileiros são dependentes de drogas ilícitas. Lei seca - Por que então, diante de tanta catástrofe, a gente não consegue comer apenas o suficiente? Será que não dá para ficar dois dias sem acender um cigarro? E aquelas doses de uísque no final do dia? Alguns dirão que vida dura é comer salada de rúcula e beber refrigerante diet enquanto estouram os fogos do novo milênio. Mas uma coisa é certa: os médicos garantem que mais cedo ou mais tarde pagaremos a conta do abuso, é a lei da natureza. Tratando-se de lei, tentaram uma vez mudar à força costumes que prejudicam a saúde. Foi no dia 1o de janeiro de 1919, quando o Congresso dos Estados Unidos também aproveitou a virada do ano para ter a brilhante idéia de aprovar uma lei que simplesmente proibia as pessoas de beberem, a famosa Lei Seca. Não deu certo, é claro. Enriqueceu mafiosos, policiais e políticos até ser revogada, quase 15 anos depois. Mas então o que fazer para mudar hábitos que comprovadamente prejudicam a saúde e que diminuem a qualidade e o tempo de vida? “As pessoas precisam se dar conta de que o exagero faz mal e pode matar”, diz Olinda Fernandes, gerente nacional do Vigilantes do Peso, que tem um milhão de associados em 17 estados. Olinda acredita que no caso da comida tudo é uma questão de berço. “A maioria das crianças é alimentada de maneira errada. Quando chegam à vida adulta se tornam gordas e feias.” Mudança - Para os que querem mudar, o Vigilantes oferece um programa de reeducação sem remédios ou dietas bizarras. Reuniões semanais de esclarecimento reordenam aos poucos a dieta daqueles que querem romper o ano novo com um corpinho invejável. Quem tem problemas com drogas pode procurar ajuda nos Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos. Aos que estão em dúvida e ainda não sabem se irão aproveitar a virada do ano para mudar de vida, um integrante do AA no Rio de Janeiro dá uma dica que pode ajudar. “Pra que esperar o dia 31 e sofrer enquanto todo mundo está bebendo e se divertindo? Pare agora mesmo”, aconselha. “Você terá uma virada de ano sem estresse ou dúvidas quando ao que é bom para a saúde.” Somente no Rio existem 600 AAs. São Paulo tem mais de mil. Falta muito pouco para nos despedirmos de vez do segundo milênio. Dizem até que uma Nova Era está a caminho e que todos serão mais felizes num futuro próximo. Até pode ser uma boa idéia entrar em forma e perder alguns quilinhos.