Antidepressivos ou terapia?

10 Ago

E tudo se encontra na mais perfeita normalidade. Apesar do estresse do cotidiano, a carreira vai bem, a família se entende, a conta bancária está sob controle e o relacionamento amoroso parece estável. De repente, por um motivo até banal, como um briga com o chefe, o indivíduo se sente diminuído. Pensa nisso dia e noite, se entristece com facilidade e se irrita a todo instante consigo mesmo e com quem está ao seu redor. A sensação vai crescendo, dia após dia, e o cidadão perde o interesse pelas coisas de que mais gosta, inclusive pelo trabalho e pelo sexo. A disposição não aparece. Nada faz mais sentido. Esse é um quadro típico de depressão, um mal que afeta de 6 a 10% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com incidência maior no sexo feminino. Para cada homem nessa condição, há duas ou três mulheres deprimidas. Ao contrário do que reza o senso comum, a depressão não é um sentimento passageiro, como a tristeza, mas um distúrbio concreto, causado por uma modificação no sistema neurológico que pode levar ao suicídio. A mesma OMS afirma que 10 a 15% dos deprimidos chegam ao extremo de ceifar a própria vida. “A doença é provocada por alterações nos neurotransmissores, elementos que levam mensagens de um neurônio para outro, sobretudo na noradrenalina e na serotonina, responsáveis pela sensação de bem-estar”, define o dr. José Carlos Borges Appolinário, psiquiatra que coordena a Unidade de Psiconeuroendocrinologia do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tanto o problema não é abstrato que os especialistas notam, por meio de exames específicos, mudanças físicas na área do cérebro que regula as emoções do indivíduo, o hipocampo, que diminui nos deprimidos. Meu mundo caiu O processo parte de dois sintomas clássicos: a tristeza profunda ou a irritação excessiva e a perda da capacidade de sentir-se bem, que gera um desinteresse global por tudo e todos. “Daí decorrem as alterações do sono e do apetite, o desânimo constante, a perda da libido, a dificuldade de concentração, os pensamentos negativos e as idéias mórbidas e suicidas”, enumera o psiquiatra e psicoterapeuta Saint Clair Bahls, professor de Psicofarmacologia da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Ele acrescenta que há pessoas que chegam a apresentar dores musculares e de cabeça. “Além disso, a depressão está associada a outras doenças, como o lúpus eritematoso sistêmico e o próprio câncer”, alerta. Os especialistas desconfiam que o problema tenha uma forte tendência genética, mas a medicina ainda não está certa de suas reais causas. Sabe-se, no entanto, que a depressão é um complexo multifatorial – gerada pela alteração no sistema neurológico em conjunto com o estresse e outros conflitos – que traz prejuízos à vida das pessoas, notadamente sociais. De tanto se sentir mal, desanimado e sem disposição para viver, o indivíduo, em casos extremos, não consegue sair da cama. Não por acaso, a OMS classifica a doença como a primeira causa de afastamento de trabalho. Pare o mundo que eu quero descer Essa incapacitação do paciente faz com que exista uma aura de preconceito em torno da depressão, que envolve a sociedade de maneira geral. Segundo o dr. Appolinário, o próprio indivíduo tem dificuldade para relatar ao médico do trabalho que, por exemplo, não sente nenhuma vontade de acordar. “As pessoas acabam não sendo levadas a sério”, percebe o psiquiatra da UFRJ. E não é à toa. “Os sintomas são muito difíceis de medir”, adiciona o dr. Bahls. Para complicar, o paciente sempre acha que vai superar rapidamente o mal-estar por entender que se trata de uma crise existencial. Assim, demora para admitir que precisa de ajuda especializada. Para o indivíduo que apresenta esses sintomas há mais de duas semanas, a conduta é procurar um psiquiatra rapidamente, sem medo de ser mal interpretado. A partir do diagnóstico, o médico vai definir a terapia adequada conforme o grau da depressão. A boa notícia é que, na forma mais branda, a doença não requer o uso de antidepressivos. “Na grande maioria das vezes, a psicoterapia basta nessa fase”, garante o dr. Balhs. Quanto mais precoce o tratamento, menos o indivíduo sofre. Antidepressivos: direto ao ponto, sem reflexos na vida sexual Se quem cuida da depressão precocemente não precisa de drogas para trazer de volta a disposição, quem está na fase moderada ou grave da doença não consegue sair do fundo do poço sem remédios. Eles regularizam o funcionamento dos neurotransmissores, combinados ou não com psicoterapia. O grande problema dos antidepressivos, porém, sempre ficou localizado nos efeitos colaterais. Segundo o dr. José Carlos Borges Appolinário, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no passado a maioria das medicações fazia o paciente melhorar da depressão, mas gerava problemas em outras regiões do organismo, como reflexos nas funções cardíaca e sexual. A partir dos anos 80, houve um intenso desenvolvimento no campo psiquiátrico que resultou no surgimento de novas classes de medicamentos com efeitos colaterais menores. Essa revolução culminou com os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, que têm em seu representante mais conhecido o Prozac. A maior parte deles, entretanto, continua interferindo na vida sexual do paciente por atuar nos centros cerebrais que regulam tal desempenho. “O pior é que uma reação dessa natureza pode levar um jovem a cair de novo numa crise depressiva”, justifica o dr. Saint Clair Bahls, professor da Universidade Federal do Paraná. Uma das mais recentes descobertas entre os antidepressivos, a mirtazapina, não costuma provocar disfunções sexuais e mata dois coelhos de uma só vez, já que atua tanto na regulação da serotonina quanto da noradrenalina. Estudos apresentados no último simpósio de atualização da American Psyquiatric Association comprovaram os bons resultados dos remédios à base dessa substância. “Além de ser eficaz e de fácil administração, a droga não perturba outros órgãos do corpo, causando baixos efeitos colaterais”, atesta o psiquiatra da UFRJ. Contando com as classes de ultima geração, que ainda abrangem a nefazodona, específica para a ação da serotonina, e a reboxetina, própria para regular a noradrenalina, hoje existem mais de dez famílias de antidepressivos à disposição dos médicos, que as prescrevem de acordo com fatores que vão do histórico clínico do paciente à sua condição econômica. A mirtazapina tem várias qualidades, mas é ainda pouco acessível – cada caixa custa cerca de R$ 100. “Com o cardápio disponível atualmente, o médico pode até combinar substâncias para obter o efeito esperado e diminuir algumas reações indesejadas”, sustenta o dr. Bahls. Qualquer que seja a terapia escolhida, o psiquiatra paranaense pondera que os antidepressivos não fazem milagre. “Eles começam a minimizar o mal-estar da depressão só a partir da segunda ou terceira semana”, frisa. A dose também tem que ser ajustada conforme o quadro de cada pessoa, reforçando a necessidade de acompanhamento profissional ao longo do tratamento, que dura, em média, um ano.