Aparelho pode ajudar a combater falta de orgasmo
Quando o pai da psicanálise Sigmund Freud criou, no início do século 20, o conceito de frigidez, ele se referia à incapacidade de a mulher atingir o orgasmo através da penetração. De lá para cá, as coisas mudaram. A começar pelo próprio nome dessa disfunção, que desde 1993 vem sendo chamada de anorgasmia – conceito estabelecido pela Organização Mundial de Saúde para denominar a dificuldade feminina de ter orgasmo – e não mais frigidez, já que esse termo tinha um caráter pejorativo de “mulher fria”. Também a própria definição do problema foi revisada: Freud considerava normais apenas as mulheres que alcançavam o prazer vaginal, ou seja, com penetração – e isso corresponde só a 40% das que têm um relacionamento estável. Hoje, os casos realmente vistos com preocupação são os de mulheres que não atingem o clímax de nenhuma forma, nem com penetração, nem com a estimulação do parceiro, nem com a auto-estimulação (masturbação). “Ainda existe muita polêmica a respeito desse assunto e dos termos mais adequados, mas de forma geral, só é considerada anorgásmica quem não consegue o prazer de jeito algum. Em relação ao tipo de orgasmo, se ele é clitoridiano (por meio da estimulação do clitóris) e/ou vaginal, isso vai depender das características de cada pessoa”, diz Carmita Abdo, professora de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenadora do Projeto Sexualidade (Prosex) do Hospital das Clínicas (USP), Brasil, onde cerca de 70% das queixas femininas são falta de orgasmo. “Trinta e dois por cento das mulheres não têm desejo, 10% sentem desejo mas não se excitam e 30% têm desejo, se excitam mas não terminam a relação com orgasmo”, diz a médica. Um recurso discutível Freud também se surpreenderia com as evoluções técnicas que envolvem a anorgasmia. Foi lançado há um mês nos Estados Unidos, pela empresa Urometrics, o primeiro aparelho que facilita o clímax feminino. O nome do produto é bastante sugestivo: Eros-CTD (Clitoral Therapy Device), uma alusão a Eros, o deus grego do amor. Trata-se de um tipo de bomba a vácuo que funciona com bateria e é colocada sobre o clitóris, para sugá-lo e salientá-lo, e assim estimular as terminações nervosas dessa região, o que acaba deixando a mulher mais sensível e excitada. “Esse recurso pode funcionar se o casal encarar como um jogo, no qual o parceiro coloca o aparelho na mulher durante a relação e divide com ela a situação. Ambos precisam se sentir à vontade com isso. Não adianta a mulher ter vergonha e usar o produto antes, porque seu efeito é fugaz. Precisa ser na hora H”, explica a médica. Embora esse tipo de estimulação seja mais fácil, pode ser uma saída extrema para o problema: “Acredito mais no contato humano, em estimulações com as mãos e com a boca. É mais gratificante. Se a mulher não se excita desse modo e, por conseqüência, não chega ao orgasmo, precisa descobrir a causa disso e tratá-la em vez de contornar o problema com aparelhos”, diz Gilda Bacal Fucs, psiquiatra, sexóloga e professora de Psicopatologia Sexual da Universidade Federal da Bahia. Seis meses sem chegar ao clímax A origem da falta de orgasmo pode ser física ou emocional. É considerada anorgásmica a mulher que está sem orgasmo há pelo menos seis meses consecutivos, dentro de uma constância de, no mínimo, duas relações semanais. “É normal quando acontece às vezes ou quando um casal está atravessando uma fase de conflito. Isso pode ser passageiro e assim que eles se acertam, a relação se equilibra. O importante é perceber quando o problema se torna crônico e aí sim procurar ajuda”, diz Carmita. Gilda acha que não há motivos para esperar: “A qualquer sinal de não-excitação, a mulher já deve consultar um especialista”, diz. O primeiro passo é verificar se a causa é orgânica e, para isso, basta procurar um ginecologista, que vai medir a taxa hormonal da mulher. A baixa de estrógeno afeta a disposição sexual – a reposição desse hormônio pode resolver o problema. Inflamações e infecções genitais interferem no prazer se estiverem causando dor durante a relação. Em geral, são bem resolvidas com medicamentos adequados. Se essas possibilidades físicas forem descartadas, o problema entra na esfera emocional. Muitos pontos podem levar a mulher a não se concentrar no orgasmo: conflitos ou incompatibilidade com o parceiro, depressão, estresse, ansiedade, preocupação com filhos pequenos que choram e procuram os pais à noite, medo de engravidar, traumas. A saída, nesses casos, é buscar ajuda de um psiquiatra especializado no assunto. “O ideal é uma terapia sexual dirigida, que vai tratar diretamente as dificuldades sexuais dessa mulher. A duração do tratamento é de quatro a cinco meses”, diz Carmita. Ao resolver essas questões, a paciente recupera a capacidade de ter orgasmo. “Quando se trata de uma depressão profunda ou de uma ansiedade exagerada, pode ser necessário ainda uma medicação para tirar a pessoa desse estado”, completa a médica. O papel do homem O parceiro também é importante dentro desse processo. “Em uma pesquisa sobre o perfil da mulher anorgásmica que estamos realizando dentro do Projeto Sexualidade, vemos que o marido ou o namorado também tem dificuldades emocionais ou sexuais, pode estar deprimido, ansioso ou ser um ejaculador precoce. Nesse caso, ele também requer atenção, porque de nada adianta a mulher se resolver sexualmente e começar a esbarrar no limite do outro”, diz Carmita. “Se a causa está na relação, iniciamos uma terapia de casal”, completa Gilda. Onde procurar ajuda O atendimento no Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas é gratuito. Para marcar consultas ou obter outras informações basta telefonar para (11) 3069-6982. Matéria de maio de 2000