Brincando para a cura

10 Ago

A pediatria de um hospital de oncologia tem tudo para ser um ambiente triste. Pode até ser. Mas o espírito que reina no 5º andar do Instituto Nacional do Câncer, INCA, no Rio de Janeiro, é do maior otimismo. Até porque as estatísticas estão aí mesmo para levantar o astral dos mais pessimistas: 70% dos cerca de 250 novos pacientes que passam por lá anualmente chegam à cura. É um número significativo. E para isto tem colaborado bastante as iniciativas implantadas por ali. O lema é humanização, palavra que norteia o trabalho de pediatras, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e voluntários. E se traduz nos projetos desenvolvidos para tornar o tratamento dos pequenos doentes o mais suportável possível. A sala de recreação é um deles. Sob a supervisão de recreadores, as crianças se divertem com várias atividades que se revezam a cada dia: contadores de histórias, teatrinho de fantoches e a possibilidade de desfrutar dos muitos brinquedos espalhados. A idéia é de resgatar as riquezas internas de cada criança, que podem estar adormecidas por uma situação de dor. Brincando, elas melhoram a parte emocional. O que, de certa forma, já é meio caminho andado para o sucesso do tratamento convencional. É preciso manter certa normalidade no cotidiano de crianças que tiveram a vida alterada pela doença Por acreditar que brincar é coisa séria, o mais recente projeto em andamento foi justamente batizado como Brincar é Viver: desde o início deste ano, a brinquedoteca ganha de uma empresa transformou-se em mais um recurso terapêutico. “Através de toques e brincadeiras, tentamos resgatar uma imagem de normalidade”, diz a Dra. Sima Ferman, responsável pela Pediatra do hospital. Por “normalidade”, entenda-se diminuir a sensação de ruptura no cotidiano de crianças que viram suas vidas transformadas pela doença: deixaram a escola e todas as atividades rotineiras, são submetidas a formas de terapia muitas vezes dolorosas e têm que conviver com a perda de cabelos e outras mudanças que a quimio e radioterapia provocam em seu corpo. Muitas delas ainda precisam trocar o ambiente familiar pelas enfermarias do hospital em internações nem sempre curtas. Se brincar é terapêutico e faz aflorar sentimentos ocultos de sofrimento, o toque físico é também é fundamental. “Muitas vezes, os voluntários acompanham procedimentos mais traumáticos para tentar aliviar a dor e favorecer o tratamento. É uma forma de trazer conforto ao paciente”, diz a pediatra. Também a interrupção dos estudos de crianças e adolescentes internados mereceu especial atenção. Para evitá-la, voluntários treinados fazem exercícios e traçam um programa de estudos, acompanhando trabalhos que depois são encaminhados às escolas. Mais ou menos algo como “se o aluno não pode ir à escola, a escola vai até o aluno”. Ou um vale-tudo para dar continuidade ao processo educacional. “Nosso alvo não é apenas a doença; procuramos tratar nossos pacientes como um todo”, resume a pediatra. Um ambiente que faz com que todos se sintam acolhidos A casa é grande e anda em obras para ficar ainda maior. As paredes coloridas espelham o lema de todos que ali convivem: a esperança de cura. A Casa de Acolhida Ronald MacDonald, no Centro do Rio de Janeiro, faz mais do que apenas hospedar crianças em tratamento no Instituto Nacional do Câncer. A maioria delas está ali por morar longe do hospital ou por ter vindo de outros Estados. Atender estes 18 pacientes e suas mães — em breve, o espaço passará a abrigar 30 crianças e seus acompanhantes — não parece um trabalho fácil. Mas é todo feito por voluntários, que se empenham em minorar o sofrimento dos pequenos pacientes. “A Associação de Apoio à Criança com Neoplasia — que administra a Casa de Acolhida — procura ser, tanto quanto possível, uma casa longe de casa”, explica a psicopedagoga Ângela Damásio, uma das terapeutas da instituição. Mais do que simplesmente um lugar de hospedagem, o objetivo é dar suporte emocional às crianças e a seus pais. No caso das crianças, isso pode ser mais tranqüilo. Afinal, como diz Ângela, elas costumam lidar melhor com a doença do que os adultos, principalmente os pais. E contam também com as explicações dos médicos que, no INCA, procuram responder a todas as perguntas que elas fazem de forma compreensível. “Mais difícil é quando se trata de adolescentes e adultos. Os adolescentes, principalmente, têm que conviver com as dificuldades próprias da idade e lidar com a perda de identidade que as mudanças corporais — a perda de cabelos e o inchaço, causados pela quimioterapia — trazem”, diz Ângela. Contra todos estes problemas, brincadeiras, suporte psicológico e musicoterapia. As mães também recebem apoio específico: atendimento com as assistentes sociais, que com elas trabalham as questões da convivência na casa, direitos e deveres do dia-a-dia, até mesmo questões de cidadania; uma vez por semana, há sessões de terapia individual e de musicoterapia para os diversos grupos. Tudo isso funciona. Ver outras crianças vivendo a mesma situação; ter voluntários jovens com quem conversar, no caso dos adolescentes; ter acesso a brinquedos, como videogames, com que nunca se sonhou, já que a maioria dos pequenos pacientes vem de família de baixa renda, é um apoio e tanto. “Mesmo que o atendimento psicológico seja emergencial, voltado para tirar o paciente de um momento de crise ou depressão, os dez, doze dias passados na Casa de Acolhida são também uma oportunidade de se trabalhar valores que farão parte da formação destas crianças, como aprender a compartilhar, a incorporar noções de higiene”, acredita Angela. Um aprendizado para a vida depois da cura.