Características da depressão no jovem
A edição deste mês do American Journal of Psychiatry, jornal oficial da Associação Americana de Psiquiatria, revelou um dado alarmante: cerca de 80% dos adolescentes deprimidos não recebem tratamento psiquiátrico necessário. Além disso, têm mais chances de experimentar novamente o problema e até de se envolver com o uso de drogas no início da vida adulta. O estudo, liderado por Peter M. Lewinsohn, do Instituto de Pesquisa Oregon, nos Estados Unidos, foi realizado com 274 jovens selecionados aleatoriamente. Eles foram avaliados duas vezes na adolescência – entre 14 e 19 anos – e depois de completarem 24 anos. O objetivo era identificar os fatores que levam à recorrência da depressão no início da vida adulta. Garotas têm mais recaídas Os resultados do trabalho permitiram traçar o perfil de quem tem risco de se deparar novamente com o mal. Nesse grupo, estão incluídas garotas deprimidas em conflito com os pais, adolescentes que vivenciam mais de um episódio da doença ou que têm histórico familiar de depressão recorrente. “As pesquisas mostram que depois da puberdade a incidência de depressão é muito maior em meninas do que em meninos, o que está provavelmente ligado a mudanças hormonais”, diz Lee Fu I, médica supervisora do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Uma situação familiar turbulenta também aumenta as chances de vir à tona o que está geneticamente predisposto. O transtorno psiquiátrico é o resultado da somatória desses elementos.” O estudo americano descobriu ainda que, ao completarem 24 anos, cerca de um quarto dos que tiveram o mal na adolescência experimentaram uma depressão severa. Outros 25% dos doentes ficaram livres de uma depressão recorrente, mas ficaram suscetíveis a distúrbios alimentares e ao uso de drogas. Irritação e desânimo em excesso A depressão se caracteriza por sinais como melancolia constante, com duração superior a duas semanas. “Trata-se de um problema neuroquímico que se manifesta por alterações psicológicas e comportamentais”, explica o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “O deprimido não é só o que fica trancado no quarto. Há os que convivem com o problema, mas isso representa um custo elevado para eles”, diz Moreno. “Essa pessoa não tem ânimo, demora a sair da cama e a escolher uma roupa, apresenta concentração falha e comete mais erros no trabalho.” Estudos apontam que a prevalência de transtornos depressivos na adolescência é de 1,2%. Mas esse número pode estar subestimado. Como é uma fase de mudanças, a adolescência gera muita instabilidade e alguns sinais característicos da doença não são diagnosticados como tal. “Às vezes, o indivíduo fica irritado com tudo e desanimado. É o chamado ‘aborrecente’. Mas há os adolescentes que são mais aborrecidos do que outros. E é preciso ver o que está provocando o excesso de irritabilidade”, diz Lee. Quando não recebe tratamento, pode acabar recorrendo a drogas como forma de alívio. “Em torno de 60% a 70% dos adolescentes que se drogam têm depressão”, afirma a psiquiatra. Os especialistas se valem da psicoterapia e de antidepressivos para tratar os jovens deprimidos. “Na minha estatística pessoal, em seis meses de tratamento há melhoras em 90% dos casos”, revela Lee. “Mas é importante um acompanhamento profissional posterior para evitar novas crises”. Feito o diagnóstico, a família deve ser orientada sobre a doença. “Há as que não se importam com o problema e as que se culpam demais”, diz a psiquiatra. “O tratamento do doente deve ser de tal forma que ele não se sinta inferiorizado e incapaz. A depressão precisa ser encarada como qualquer outro mal.” Voluntários para pesquisa O Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo está iniciando um estudo para avaliar se os antidepressivos são tão eficazes contra a depressão de crianças e adolescentes como dos adultos. A intenção é avaliar pacientes deprimidos de 6 a 16 anos que tenham necessidade de tratamento psiquiátrico. O número para contatos é (0xx11) 5508-0737, código 1005830. Matéria de outubro de 2000