Combinação de álcool e cocaína prejudica o aprendizado
Trata-se de uma dupla paradoxal. Enquanto o álcool provoca um efeito sedativo no organismo, a cocaína produz euforia. O par, no entanto, é responsável por estragos nas funções cerebrais e pode danificar a capacidade de aprendizado e reduzir os reflexos. O dado foi revelado por uma pesquisa americana publicada no final de junho no jornal Neurology. Os pesquisadores analisaram os efeitos desse coquetel em 56 dependentes crônicos de cocaína que também apelavam para uns goles de álcool. Por meio de uma bateria de testes neuropsicológicos, os cientistas avaliaram os usuários que consumiam dez ou mais doses de bebidas alcoólicas por semana com os que ingeriam quantidades menores. Os exames foram feitos cerca de três dias depois de os participantes se privarem voluntariamente do entorpecente e repetidos após quatro semanas de abstinência. Conclusão: a turma que ingeria a mistura demorou mais tempo para responder aos testes do que os indivíduos que se limitaram a usar somente a cocaína.
Esse comportamento é muito comum entre os usuários de cocaína. “A droga pode deixar a pessoa tão elétrica que essa sensação acaba se tornando desagradável. Por isso, o dependente tenta contrabalançar o efeito com bebida alcoólica”, explica o psiquiatra Sérgio Nicastri, do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas de São Paulo. Danos à inteligência De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o álcool e a cocaína têm predileção por duas regiões do cérebro. Uma delas, o hipocampo, é a responsável pela memória. A outra é o lobo frontal, que regula a inteligência, a criatividade, a atenção e a iniciativa. Na pesquisa que vem conduzindo com dependentes de cocaína, Xavier tem verificado que essas funções ficam prejudicadas. “Mas por que isso ocorre ainda não se sabe”, diz. Um dado é inquestionável: a associação com o álcool potencializa a toxicidade de ambas as drogas e pode ser ainda mais prejudicial. Quanto pior a memória e a atenção, mais difícil a retenção e a compreensão de dados e, conseqüentemente, o aprendizado. “A pessoa que não consegue fixar a atenção, por exemplo, capta as informações pela metade”, afirma. Atividade mental se recupera lentamente
Mas não é apenas a mente que sofre com a mistura explosiva. O álcool e a cocaína reagem quimicamente no sangue formando um composto tóxico chamado cocaetileno. “Além de estreitar os vasos sangüíneos, a substância irrita o músculo cardíaco, o que pode provocar uma arritmia”, explica Nicastri. Quem larga o vício pode voltar a ter suas atividades mentais normalizadas? Sim e não. “Quando o dependente deixa de usar a droga, o rendimento mental se recupera lentamente e ao longo do tempo”, diz Nicastri. “Mas isso depende de cada paciente. Alguns melhoram muito, outros, não”, afirma Xavier. A melhor estratégia, então, é evitar e combater o uso de entorpecentes. Um lembrete: os usuários de cocaína isolada não estão livres de danos. A velocidade do tempo de aprendizado piorou nesse grupo quando a porção consumida da droga subiu de um grama para nove gramas por semana. Matéria de julho de 2000