De olhos bem fechados
Para que dormir? Praia de manhã, bloco na rua à tarde, baile e desfile à noite. São tantos os motivos para ficar acordado 24 horas por dia para não perder um minuto de diversão. Mas depois de quatro dias de vigília e folia, vem a quarta-feira de cinzas e você tem que estar inteiro de novo. O resultado, porém, só pode ser um: sono, muito sono. Sono é o tipo de coisa que não se pode evitar. A grande maioria das pessoas precisa dormir pelo menos sete horas por noite para estar bem no dia seguinte. Quem dorme menos, sente falta, mesmo que diga que não. Pesquisas já mostraram que apenas 2,5% da população é short sleeper, ou seja, dorme pouco por natureza e não tem nenhum problema com isso. Relógios fora do compasso Os outros 97,5%, porém, ficam mal depois de uma noite inteira sem dormir. E no carnaval, com o ritmo de vida todo alterado, dormir pouco é quase inevitável. A conseqüência mais visível é a sensação de fadiga, que na verdade reflete um descompasso entre as várias funções do organismo. “O sono é um potente sincronizador dos relógios internos. Sem que ele ocorra, a temperatura, os hormônios, a digestão, a circulação passam a ciclar em horários diversos, prejudicando o desempenho”, explica o médico Denis Martinez, diretor do Laboratório do Sono, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O aparelho intelectual sente rápido os efeitos da privação de sono. O raciocínio e os reflexos ficam mais lentos e a pessoa não “rende” o seu normal. E além de cansada, é provável que também fique mal humorada, irritável e um pouco agressiva. Muito álcool e pouco sono, mistura explosiva Pior ainda se além de dormir pouco, ela também bebe muito. “O álcool e as drogas, associados à privação de sono, potencializam a fadiga e o mal-estar no dia seguinte”, alerta o Dr. Denis. E engana-se quem acha que o álcool ajuda a dormir. “Inicialmente ele aumenta a excitação, depois relaxa e dá sono. Porém, não é um sono reparador”, explica o médico Dirceu Valadares, diretor da Clínica do Sono, em Nova Lima, Minas Gerais. O álcool altera o padrão de sono, reduzindo a fase REM (o último estágio do sono, no qual ocorrem os sonhos). Também prejudica a respiração e provoca roncos e pesadelos, além de fazer a pessoa despertar mais cedo. A mistura de álcool e privação de sono é explosiva também nas estradas. “As campanhas contra dirigir embriagado são feitas no início do carnaval, quando as pessoas estão indo para a festa. Mas a maior parte dos acidentes acontece na volta, quando além de embriagados, os motoristas estão também com sono”, lembra o Dr. Dirceu. Segundo o médico, há estudos que mostram que muito sono e pouca bebida são mais perigosos ao volante do que muita bebida. Para reduzir os riscos de acidentes, ele aconselha evitar dirigir nos horários de pico de sonolência (das 13h às 15h e das 3h às 5h da manhã). Além disso, não alterar os horários habituais de sono para viajar mais cedo. E se não der para resistir? Mesmo sabendo de todos os efeitos da privação de sono, é difícil resistir a virar várias noites na folia. Mas alguns truques podem ajudar você a estar novo em folha na quarta-feira de cinzas. No dia anterior a uma longa noite de festa, aproveite para descansar bastante. A alimentação deve ser leve, com muitas frutas e água. O ideal é evitar o álcool. “E depois da folia, tirar cochilos de 20 a 90 minutos várias vezes por dia provoca um efeito de ‘carga rápida‘ que ameniza o desgaste”, indica o Dr. Denis Martinez. Quando o problema fica sério Agora, se a privação de sono não é voluntária e sim um problema, é preciso procurar um médico, pois você pode estar sofrendo de um dos 80 tipos diferentes de distúrbios do sono. Em longo prazo, ficar sem dormir prejudica a memória e as funções mentais. “O recorde, até hoje, é de pouco mais de 10 dias sem dormir. Alguns dos que tentaram bater esse recorde sofreram danos permanentes nas suas capacidades psíquica e social”, conta o Dr. Denis. Privar-se de sono provoca até envelhecimento precoce, já que o hormônio de crescimento (que nos adultos atua na renovação celular) só é secretado durante o sono. Além disso, cada vez que dormimos menos que o necessário, criamos um débito de sono, que terá que ser pago mais cedo ou mais tarde. Sono é uma necessidade vital séria e deve ser visto como um cuidado básico de saúde. “Assim como escovamos os dentes para prevenir cáries, precisamos dormir bem para prevenir as doenças do sono”, destaca o Dr. Dirceu Valadares.