Dificuldades dos superdotados

10 Ago

“Eu estou sempre na contramão.”A frase vem de uma criança superdotada e mostra como ela e muitas outras que apresentam um desempenho intelectual acima da média se sentem diante do mundo. “O superdotado se percebe diferente desde a infância. E isso o incomoda”, diz a psicóloga Mara Regina Nieckel da Costa, do Núcleo de Atendimento às Pessoas Portadoras de Altas Habilidades (Nappah, em Porto Alegre (Brasil). Segundo a psicóloga, que estuda a percepção que os jovens superdotados têm de si e como pensam ser vistos pelo mundo, na adolescência eles, assim como todos na sua idade, passam pela fase da busca de modelos e identificação. Diferentes, olham ao redor e não reconhecem nenhum modelo a seguir, nem na família, nem na escola e, por isso, acabam se sentindo perdidos, peixes fora d’água. Em geral, sentem que aprendem mais rápido; apontam a precocidade na aprendizagem como um sinal da diferença; preferem conviver com crianças mais velhas do que eles e enfrentam dificuldades na escola. Os superdotados são excessivamente criativos e altamente dedicados às atividades pelas quais se interessam. Constituem uma parcela de 3 a 5% da população e, desde 1995, foram “classificados” pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pessoas portadoras de altas habilidades.“O pensamento deles é divergente, eles solucionam os problemas com métodos próprios”, conta Susana Perez Barrera, presidente da Associação Brasileira para Superdotados (ABSD). Q.I e inteligências múltiplas Por muito tempo, o superdotado foi encarado como um ser divino, com habilidades que ninguém tinha e, portanto, alvo de cobranças de um desempenho superior. O prefixo super funciona como um estigma que lhe impõe uma conduta de superioridade. Espera-se, assim, que execute operações matemáticas escabrosas em segundos, que memorize uma quantidade surpreendente de informaçoes e que entre para o livro dos recordes mundiais. Como a alta habilidade se expressa de diversos modos, não há um único exame padrão capaz de identificar se alguém apresenta um desenvolvimento acima do normal ou não. É por isso que os testes de quociente de inteligência (Q.I), que apontam como superdotados aqueles que atingem mais de 140 pontos, não servem como instrumento isolado de avaliação. Deve-se considerar o contexto em que a criança se encontra e o estímulo que recebeu. A teoria das inteligências múltiplas, mais aceita como instrumento de avaliação de superdotados, condena a idéia de que as capacidades intelectuais de um indivíduo possam ser detectadas apenas em uma avaliação de Q.I. Elaborada pelo psicólogo americano Howard Gardner, ela critica a “decoreba” e valoriza a capacidade de comunicação verbal, a habilidade para resolver problemas de lógica matemática, o poder de abstração espacial, a aptidão física, a sociabilidade (relações inter-pessoais) e o potencial musical. Separar, acelerar, incluir “O superdotado é um portador de necessidades especiais”, afirma Susana Perez, da ABSD. Há, segundo a associação, três modelos de atendimento pedagógico para ele. O primeiro é o que separa os alunos em classes especiais, acentuando a rotulação. O segundo permite que o aluno acelere os estudos, passando para séries mais avançadas à medida que domina o conhecimento, o que pode acarretar problemas emocionais em virtude da defasagem em relação ao grupo etário e cultural. O terceiro é o inclusivo, que motiva as habilidades específicas sem que o estudante mude de turma. Essa motivação, em geral, cabe a professores ou profissionais especializados, que trabalham as aptidões dos superdotados em atividades fora do período normal de aula. “A inclusão é discutida mundialmente como o método mais eficiente, só necessita de recursos, como pessoas treinadas e instalações adequadas (laboratórios, computadores, ginásio poliesportivo, etc.)”, diz Susana. Desde 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) assegura educação especial aos alunos portadores de altas habilidades no Brasil, enfatizando o uso de currículos, métodos, técnicas, recursos educativos, professores qualificados e um programa escolar que atenda as suas necessidades. Na prática, apenas os estados do Pará, Rio Grande do Sul, Goiás, Espírito Santo, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará e Piauí desenvolvem algum programa como esse, segundo dados da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Maria Shirley dos Santos, diretora de educação infantil e ensino fundamental da Prefeitura de Santo André (SP), acredita que os programas de educação inclusiva são uma saída para a integração de crianças e jovens portadores de necessidades especiais. “A essência da pedagogia é a diversidade”, enfatiza. O desafio que essa prática propõe é o treinamento adequado do professor. Einstein foi expulso do colégio em que estudava porque se considerava que suas perguntas influenciavam mal os outros colegas. Em vez de expulsar o aluno, o professor precisa saber que o superdotado não está atrapalhando. “É como se a criança estivesse constantemente na idade dos porquês”, compara Susana. Ao fazer perguntas ela pode ajudar a turma a evoluir. Se assistido, porém, por um professor sem treinamento, esse aluno costuma ser tratado como “problema”. O papel dos pais Segundo a psicóloga Mara Regina Costa, a exigência da família é vista como uma sobrecarga para os superdotados. Em geral demoram a identificar que os desvios de conduta ou até o baixo desempenho em algumas disciplinas entram no pacote da superdotação. Quando descobrem, ficam encantados com a “genialidade” da criança e dizem: “você é o melhor”. “Isso não se pode fazer”, afirma Susana. “Como qualquer criança o superdotado precisa conhecer os seus limites.” Mas, também como qualquer criança, ele pode se desenvolver mais ou menos de acordo com o estímulo e a valorização que recebe. “Se ele pergunta, pergunta e ninguém responde, vai deixar de perguntar e de crescer”, afirma a presidente da ABSD. Para saber maisAssociação Brasileira para Superdotados (ABSD) – tel. (0xx51) 339 2554; [email protected]ção de Atendimento ao Deficiente e ao Superdotado (Faders), tel. (00xx51) 228 2112, ramal 207, [email protected]://www.mensa.org - site em inglês com grupos de discussão sobre inteligênciahttp://www.gifteddevelopment.com - site americano com informações para pais e professores sobre crianças superdotadas Matéria de abril de 2000