Distribuir seringas para conter a aids

10 Ago

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, voltou a defender uma medida polêmica para combater a aids e reduzir o número de usuários de drogas injetáveis. Na segunda-feira 6, ele propôs a regulamentação de um plano para distribuir seringas a dependentes de substâncias químicas. A proposta, que não tem data para ser discutida, prevê também um programa de apoio para que o viciado troque drogas pesadas, como a cocaína, pela maconha. Esse modelo já foi adotado em vários países da Europa e em alguns estados americanos. No Brasil, embora não tenham sido implementados pelo governo federal, algumas cidades já contam com projetos similares. É o caso do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Criado em 1986, o Nepad tem cerca de duas mil pessoas inscritas, a maioria dependentes de cocaína. Há quatro anos, os usuários de drogas injetáveis recebem seringas novas em troca das usadas. Elas podem ser obtidas na sede da entidade ou em vans que percorrem duas vezes por semana o centro e a periferia da cidade do Rio de Janeiro. Junto com os aplicadores, os viciados recebem um kit com água destilada (para ser misturada à cocaína), éter, algodão e curativo. O projeto recebe uma verba de R$ 30 mil por mês da ONU (Organização das Nações Unidas), repassados pelo Ministério da Saúde. Da cocaína para a maconha O objetivo, segundo a psiquiatra Maria Thereza de Aquino, diretora do Nepad, é justamente evitar que os usuários sejam contaminados pelo HIV (vírus que causa a aids) ao compartilharem seringas com outros dependentes – 25% dos casos de aids no Brasil estão relacionados ao uso de drogas, segundo o Ministério da Saúde. O trabalho procura ainda fazer o viciado mudar de rotina. A idéia é que, em vez de injetar, ele passe a tomar a droga por outras vias. “É o primeiro passo para que, gradualmente, o indivíduo pare de usar substâncias mais pesadas”, explica. Para tanto, os usuários são acompanhados por uma equipe formada por psicólogos, ex-dependentes e até mesmo por pessoas que ainda são viciadas. “Substituir a cocaína pela maconha não é fácil. Por isso, trabalhamos com pessoas que falam a mesma língua. O exemplo está ali, na frente do dependente, mostrando que é possível largar os métodos mais perigosos”, diz Maria Thereza. Esse processo, segundo ela, é lento e gradual. E o maior obstáculo é a resistência do próprio indivíduo. “É preciso muita conversa para convencê-los a deixar de injetar a cocaína. Em geral, são pessoas sem perspectiva de vida, que têm a auto-estima muito baixa. Para piorar, nunca procuram ajuda quando descobrem que foram contaminadas pelo HIV”. Briga na Justiça Os números comprovam a dificuldade em se deixar as drogas injetáveis, mas também mostram que a troca de seringas é um método eficiente no combate à contaminação da aids. A psiquiatra estima que cerca de 5% dos pacientes do Nepad conseguiram parar de utilizar as injeções. E lembra que a iniciativa teve resultados impressionantes na Europa. “Esse programa existe em países da Europa desde a década de 80. Em Liverpool, por exemplo, não existe um usuário de drogas injetáveis que seja portador do HIV hoje em dia”, justifica. A realidade brasileira, no entanto, é bem diferente. De acordo com Maria Thereza, atualmente 25% das pessoas atendidas no Nepad e que são usuárias de injetáveis foram contaminadas pelo vírus da aids. “Começamos a acordar para o problema muito tarde, somente em 1990. Na época, tentamos implementar o programa, mas a resistência da polícia e da igreja foi muito grande”, diz ela. Várias cidades que tentaram adotar o projeto esbarraram em ações judiciais que não permitiram a sua implementação. Muitas conseguiram liminares somente na segunda metade da década de 90. O primeiro estado foi a Bahia, em 1995. “É um avanço importante, que agora precisa ser regulamentado pelo governo federal, como propôs a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas)”, avalia a diretora do Nepad. Atualmente, há 40 projetos de redução de danos provocados pelas drogas no Brasil, que inclui a troca de seringas. Todos são financiados pelo Ministério da Saúde, que já distribuiu 1,5 milhão de aplicadores. Esse número representa um alcance de 31.450 usuários de drogas injetáveis. A primeira avaliação dos resultados deve ocorrer já no ano que vem, segundo o Ministério. Matéria de novembro de 2000