O verde em perigo

10 Ago

A recente aprovação pelo Congresso brasileiro da ampliação das áreas para desmatamento nas reservas florestais da Amazônia tem gerado mais do que protestos dos ecologistas. Profissionais de outras áreas, como os farmacologistas, mostram extrema preocupação com a derrubada de matas, cujas espécies ainda não pesquisadas podem desaparecer antes que se conheça seu potencial medicinal. A preocupação tornou-se ainda maior com a assinatura de um acordo de cooperação entre a Bioamazônia - organização criada em 1999 para implementar o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Amazônia - e a multinacional Novartis. O acordo, que é bastante amplo, prevê, entre outras coisas, o estudo das plantas medicinais brasileiras. Mas está sendo questionado até mesmo pelo Ministério da Saúde. A secretária de coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Mary Allegretti, chegou a pedir uma nova avaliação sobre o assunto. Procurada esta semana, a secretária, que acompanhava a comitiva do ministro em viagem pela Amazônia, não pôde ser localizada. E, segundo funcionários de seu gabinete, a orientação do ministro é para que o assunto não seja comentado. Pesquisas no exterior excluem cientista brasileiro O farmacologista Roberto Soares de Moura, membro titular da Academia Nacional de Medicina, surpreendeu-se com a notícia. Professor titular da UERJ, ele vê o acordo com preocupação. Não porque seja contrário à participação da indústria, nacional ou multinacional, na pesquisa de plantas medicinais no país. Mas porque, se os projetos forem desenvolvidos apenas nos laboratórios suíços da Novartis, os cientistas brasileiros serão deixados de fora. “Temos aqui pessoal altamente qualificado”, garante o professor. Ele mesmo pesquisa há vários anos o guaco, planta usada pela população brasileira no tratamento de doenças respiratórias. Chegou até a patentear, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Inpi, uma substância cem vezes mais ativa do que a tintura-mãe atualmente usada. Mas teve cortada a verba para prosseguir o trabalho. Abundância de espécies vegetais x desinteresse governamental “Enquanto cresce o interesse da indústria farmacêutica internacional por plantas medicinais, num mercado que movimenta US$ 13 bilhões por ano, o desinteresse brasileiro é, no mínimo, curioso”, questiona. “Ao desprezo do Congresso pela biodiversidade, demonstrado recentemente, soma-se o desinteresse do Ministério da Saúde por uma política de pesquisa em plantas medicinais”, prossegue. E isto num país em que a biodiversidade é enorme, e onde existem pelo menos 50 mil espécies vegetais à espera de estudos. Potencial que também deveria ser estudado pelos brasileiros. A falta de interesse do Governo, Moura atribui a uma certa mentalidade subserviente, colonizada, que, por um lado, acredita na incapacidade do brasileiro em certas áreas, e, por outro, valoriza ao extremo tudo o que é feito por estrangeiros. Saídas existem, o que falta é vontade política “O ideal é que haja uma parceria entre instituições nacionais, universidades e parceiros estrangeiros. O que garantiria que pelo menos parte destes royalties ficassem aqui”, imagina Moura, que acha estranho que o país ainda não tenha acordado para criar uma política de desenvolvimento para o setor. O que poderia impedir o atual contrabando de plantas, que de maneira predatória vem abastecendo compradores estrangeiros com exemplares da flora nativa, como tem sido bastante denunciado pela imprensa. Moura também acredita na viabilidade de um desmatamento científico, que possa atender não só aos interesses da agricultura, mas igualmente aos da pesquisa. E que poderia ser feito por segmentos, de modo racional e restrito, e acompanhado pelo trabalho paralelo dos estudiosos. O mercado de fitoterápicos teve um rápido crescimento. Há dez anos atrás, praticamente não existia. Hoje, somente a Alemanha fatura US$ 3 bilhões nesta área e empresas como a Glaxo estão aplicando US$ 5 milhões em pesquisas farmacológicas de plantas brasileiras. O Brasil, por enquanto, ainda não acordou para todas as possibilidades deste grande negócio. Ainda acontecem por aqui casos como o da espinheira santa, estudada por uma universidade brasileira, mas patenteada por uma indústria estrangeira, que é quem vai ganhar todos os royalties provenientes da descoberta. “Às vezes, nossos pesquisadores, pressionados pelos órgãos de financiamento a publicar o resultado de seu trabalho, esquecem de patenteá-lo primeiro. O que abre oportunidade para que outros lancem mão da descoberta”, adverte Moura. Para reverter, pelo menos em parte, este quadro, ele gostaria de ver reeditado o projeto do Ministério da Saúde, que através de sua extinta Central de Medicamentos, Ceme, fazia pesquisas da flora brasileira. Segundo Moura, o projeto, de altíssima qualidade, teve fim junto com a Ceme. “Falta vontade política”, resume.