Ouro verde

10 Ago

Nos primeiros anos após o descobrimento do Brasil, os contatos entre índios e portugueses foram certamente motivo de grande estranhamento. Quem eram aquelas pessoas que andavam como Deus as tinha posto no mundo, tomavam banho repetidas vezes, e, quando doentes, usavam apenas folhas e raízes para se tratar? Hábitos que, a bem da verdade, os portugueses passaram pouco a pouco a adotar. Se não abandonaram as roupas pesadas, logo viram que o banho era um alívio sob o calor dos trópicos e que as tisanas do gentio muitas vezes eram um excelente recurso naqueles tempos de raríssimos médicos e muitos problemas de saúde. Coube aos jesuítas um papel importante nesta história. Foram eles que trouxeram as primeiras mudas de plantas européias, que aqui logo se aclimataram. E também foram eles que, no afã de catequizar os bugres, logo perceberam que muita coisa do conhecimento dos pajés era bastante aproveitável. E trataram de incorporar plantas nativas às panacéias que preparavam. O toque de Midas vegetal Algumas fizeram enorme sucesso. Foi o caso da raiz de ipecacuanha, também conhecida como poaia (cephoelis ipecacuanhas) e encontrável em diversas regiões da terra recém-descoberta. De nome comprido e uso simples, o pó de suas raízes era apreciado por seus efeitos purgativos, capazes de excitar vômitos. Vomitórios, diga-se de passagem, eram terapêutica comum naqueles tempos. “Quando desembarcou na Europa, em 1672, pelas mãos do médico francês Legras, a ipecacuanha passou a ser vendida com o sugestivo nome de mina de ouro”, conta o pesquisador de história da medicina e historiador Flávio Edler. Mas mina de ouro mesmo, a ipecacuanha se tornou 14 anos mais tarde, quando Helvetius, célebre médico da época, experimentou e confirmou sua eficácia e aplicação em diversos males. Foi a glória. Para a planta, que de tanta procura, passou a ser alvo de falsificações; e para o próprio Helvetius, que recebeu do rei Luiz XIV honrarias, emprego e muito dinheiro. Nem só de ipecacuanha eram feitos os remédios do Brasil colônia. A flora nativa abundava em ervas, folhas e raízes usados nas horas de dores e aflições diversas. Precisando-se de diuréticos, era recorrer ao caju, ao ananás e ao jaborandi. As disenterias eram tratadas com os frutos e folhas de guaraná. Contra os problemas cutâneos, ferimentos e afecções variadas, receitava-se copaíba, pariparoba, e cabriúva. Frutos de urucum e jenipapo eram usados contra picadas de inseto e como proteção do sol. Febres? Maracujá. Pedras na urina? Ananás verde. Mordidas de cobra e outros bichos venenosos? Contra-erva, pau-cobra e erva de cobra. Já as folhas do tabaco — também chamado de erva-santa, como lembra o historiador — eram ótimas contra as moléstias pulmonares, assim como o jataí. Nossa farmácia na floresta “Outro médico famoso no Brasil colônia, o Dr. João Ferreira da Rosa, cuidou de notificar plantas brasileiras e seus usos. Foi dele a primeira descrição de febre amarela, contra a qual celebra as propriedades da raiz de mil-homens, também conhecida como capa-homens, urubu-caá ou angelicó, ótima no tratamento nos vômitos, e nas dores de estômago dos amarelentos — como eram chamadas as vítimas de febre amarela”, conta Edler. Inicialmente usada pelos indígenas para tratar feridas pútridas e gangrenosas, a capa-homens hoje atende pelo nome científico de aristolochia trillobata e há muito deixou de ter o uso original. Outro capítulo da história das plantas medicinais no Brasil é o decreto de D. João VI, que no mesmo ano de sua chegada, 1808, procura preservar à Real Fazenda o monopólio da comercialização da quina brasileira. À árvore, descoberta em Minas Gerais e no Rio de Janeiro por aquela época, eram atribuídas as mesmas propriedades antitérmicas da quina peruana, eficaz no tratamento da malária até hoje. Com o passar dos séculos, algumas coisas mudaram. Descobriam-se novos exemplares de valor terapêutico. Em 1946, o farmacêutico Gustavo Peckolt selecionava o que considerava as melhores árvores medicinais brasileiras: a araroba (Angelim amargoso), a copaíba (descrita por Langsdorff e por isso mesmo batizada como copaifera langsdorffii), sicupira, óleo vermelho, anda-assu, pau-pereira, guaraem, marupá, casca de anta e gameleira. Do desuso ao boom alternativo Esta última era conhecida no século 19 pelo uso contra a hipoemia intertropical, ou anfilostomose, um tipo de verminose que causava anemia profunda nos doentes contaminados pelo anfilostoma. Na época, porém, acreditava-se que a moléstia era provocada pelo clima quente e úmido do país e às condições de higiene. Mas ao observar que os africanos se tratavam com o leite da gameleira, Von Martius resolveu verificar e comprovou seus efeitos. O certo é que de lá pra cá, se algumas destas plantas caíram em desuso, muitas atravessaram os séculos incorporadas à medicina caseira. Vistas com certo desdém, durante algum tempo, ultimamente, elas voltaram a crescer de importância como uma alternativa de tratamento natural. Crescimento que as prateleiras das farmácias e drogarias não deixam de registrar. As propriedades curativas de plantas populares na tradição oral vão sendo aos poucos confirmadas pelas pesquisas científicas, embora as dificuldades nesta área sejam muitas. Faltam recursos e as similaridades morfológicas acrescentam novos problemas ao quebra-cabeças. Para ficar apenas num exemplo, a família Phyllanthus, do conhecido quebra-pedras, se divide em vários ramos diferentes, dificultando a identificação dos espécimes realmente eficazes em eliminar cálculos renais. Nas plantas, pode estar uma cura para o câncer E se não bastasse a significativa diminuição das florestas e dos exemplares de nossa flora, temos ainda o problema da coleta predatória que ameaça diversas espécies consagradas pelo uso popular. É o caso do ipê-roxo, da espinheira santa e do jaborandi, para citar alguns exemplos. “Não existe uma coleta racional”, adverte o fitoterapeuta Alexandros Botsaris, que fala da necessidade de orientar as pesquisas neste setor, traduzindo as informações etnobotânicas, que nem sempre são bem feitas. Na contrapartida, algumas instituições mostram a preocupação com o assunto, como a Universidade de Santa Catarina, que desenvolve projeto sobre plantas medicinais, ou a Fiocruz, que promove iniciativas como a Farmácia Viva, de estudo e criação de hortas medicinais em várias regiões do país. Afinal, se até o Instituto Nacional do Câncer, dos Estados Unidos, mostrou vivo interesse neste estudo, classificando pelo menos duas mil plantas tropicais que podem ser o ponto de partida para o desenvolvimento de medicamentos anticâncer. Certamente o número das que permanecem com suas propriedades desconhecidas e podem desaparecer sem sair do anonimato é bem maior. Resta buscar conhecer e aproveitar todos estes maravilhosos benefícios que a natureza pode nos dar. Conheça os efeitos terapêuticos de algumas de nossas plantas: Pau-d’arco – usado contra doenças de pele, como eczemas e psoríase. Abacateiro – antianêmica, tem efeitos diuréticos e ajuda a combater infecções dos rins e da bexiga. Também usada como antidiarréico e para evitar gases intestinais. Pfaffia – conhecido como o ginseng brasileiro, tem uma longa lista de indicações medicinais: revitalizante, rejuvenescedor e inibidor de tumores. É também tido como agente antiestresse e estimulante das funções sexuais. Infelizmente, vem sendo alvo de extração predatória. Espinheira santa - indicada no tratamento de problemas digestivos, como a gastrite, auxilia a normalizar funções gastrointestinais Ipê-Roxo – analgésico e auxiliar no tratamento de doenças de pele e estomacais, foi tido como verdadeira panacéia, anos atrás. Diz-se que é um ótimo auxiliar no combate a determinados tipos de tumores, inclusive o câncer. Ipeca – expectorante, é bom coadjuvante no tratamento de doenças do aparelho respiratório. Também contém emetina, substância que provoca vômitos e auxilia a eliminar toxinas do aparelho digestivo.