Pai pode ser punido por bater no filho
Conscientizar a população sobre a violência cometida dentro de casa contra crianças e adolescentes e criar uma lei para punir os pais que batem nos filhos é a proposta da campanha A Palmada Deseduca, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (USP). A iniciativa foi lançada no final de agosto e deve se estender pelos próximos dois anos. A idéia surgiu depois que uma equipe de pesquisadores da universidade levantou dados sobre o assunto no Brasil.
O estudo revelou que de 1996 a 1999 o número de notificações de violência doméstica aumentou 13 vezes. A agressão física lidera a lista de maus-tratos com 7.195 casos registrados no período analisado. Em 1996, foram feitas 525 ocorrências desse tipo. No ano passado, esse número subiu para 2.626. A pesquisa mostrou também que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é o menos denunciado, com 1.637 casos. No primeiro ano da pesquisa, foram registradas 95 ocorrências, contra 649 em 1999. “As vítimas têm medo e vergonha de contar o que aconteceu. Muitas mães receiam sofrer retaliações dos próprios parceiros, os vizinhos acham que não devem se meter na vida dos outros e, o que é mais surpreendente, pouca gente sabe o que é denúncia anônima”, revela Cacilda Paranhos, coordenadora da campanha. Apesar de elevados, os números de violência doméstica estão longe de retratar a realidade. “Apenas um quinto da população denuncia as agressões que ocorrem dentro de casa”, afirma. Os dados da pesquisa foram levantados junto aos Conselhos Tutelares, SOS Criança e delegacias de polícia de 21 estados brasileiros. Pena prevê prestação de serviços comunitários A idéia de criar uma lei para punir os pais que batem nos filhos foi baseada na legislação de oito países que já classificaram os “tapinhas”, nada inocentes, como crime. A Suécia foi a primeira a adotar o recurso, em 1978, seguida por Finlândia, Dinamarca, Noruega, Áustria, Chipre, Letônia e Croácia. A pena varia de acordo com o país, mas pode prever a prestação de serviços comunitários à sociedade, como pagamento de cestas básicas à população carente. Para a coordenadora da campanha, essa é uma forma de intimidar as famílias e evitar que adotem agressões físicas severas como meio de “educar” os filhos. “Seria um mecanismo de pressão social, que levaria os adultos a refletir sobre o assunto”, analisa. “A violência começa com a palmada. O ‘tapinha’ leve de hoje pode ser a surra de amanhã. E várias pesquisas já mostraram que esse tipo de atitude na infância constrói um adulto agressivo e anti-social”, acrescenta. A lei seria ainda uma alternativa ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê punição para os castigos “imoderados”. Para a pesquisadora, o termo não está muito bem definido e deixa muitas brechas para que a família seja absolvida. “A interpretação do que é um castigo imoderado varia de acordo com o juiz. Hoje, as crianças são espancadas e nada acontece com os pais. Com uma lei que considera crime um simples tapa, o juiz terá um parâmetro mais concreto para julgar o caso e aplicar a punição quando necessário”, acredita. Matéria de outubro de 2000